FM O que exatamente te levou a criar o Jornal de Poesia?
SF Em 1996, a Internet aqui no
Brasil era uma realidade muito distante. A surpresa de praticamente nada haver
em língua portuguesa. Para suprir esse problema, é que resolvi inventar o Jornal de Poesia.
Inicialmente, pensei no nome Armazém de Poesia, porque, a rigor o JP não é um jornal, no sentido estrito de notícias novas substituindo notícias
velhas. Não, no JP as primeiras páginas ainda estão lá,
intactas. A escolha do nome “jornal”, pensamento meu na época, daria mais força
de divulgação… Valeu, sim. É ponto de encontro de muitos pesquisadores, jovens,
estudantes, velhos e saudosistas. Recebo muitas cartas. Respondo-as todas.
FM Como se deu todo o processo de
criação?
SF Foi pei-pei!, que isto de criar, na minha cabeça, não comporta
muita estrumação. Como se fora um fiat daqueles do Senhor Deus dos Exércitos… Faça-se o JP! Pronto,
está feito, taqui o bichim, bem
feitim, bem bonitim. Claro que deu uma trabalheira dos diabos. Equipe e
dinheiro. Era uma época em que eu ainda não havia quebrado, de modo que
contratei quatro operadores, comigo cinco, e metemos o pau. O sacrifício (e
prazer!) de digitar tudo. Eu mesmo digitei o Navio
Negreiro e muito de Pessoa.
Depois veio a quebra dos açougues, comigo dentro, também quebrado. Os
operadores reduziram-se a dois; depois a um, finalmente nenhum. Hoje, até já “desquebrei”,
mas não voltei a contratar ninguém, mesmo porque a proposta inicial do JP,
com o tempo deixou de ter maior urgência. Já não há aquela “orfandade”, há
sites e sites na Internet afora. Digamos, a necessidade de recuperar coisas
descuidadas, autores perdidos, mortos, não mais editados. Aos novos,
sugiro-lhes que façam eles mesmos suas pages.
Coloco link e me poupo da trabalheira. Nesse meio tempo, surgiu a Usina de
Letras, com um programa interativo, o autor vai escrevendo, e o
bicho-computador aprontando tudo… Encaminho o pessoal para lá; tem dado muito
certo. Houve um tempo, de plena liseira, em que cogitei cobrar uma colaboração
mínima. Poucos toparam, é certo, mas foi muito oportuna: ajudou a pagar os
operadores. Por falar em operadores, qualquer dia destes abro-lhes uma página
de agradecimento: Jurandir, Alisson, Marcone, Massa, Rosemberg e mais dois cujo
nome a velhice me atrapalha agora. Não, hoje não há mais cobrança alguma.
FM A criação de um site tão amplo
implica em uma manutenção algo complexa. De que maneira ela vem sendo
realizada?
SF Inicialmente, a equipe. Era um
tempo de Bahia, de muitas saudades até, contei com a colaboração do provedor
E-net, um canadense (Christian), um japonês (Raul), uns caras finíssimos. E
veja, naquele tempo, era tudo muito caro. Pois eles hospedaram o JP sem nada me cobrar. Depois, quando vim
embora para Fortaleza, a Secrel, através do Messias, um cara também gente
finíssima, deu-me todo o apoio. Posso dizer, resumindo a conversa, que da parte
dos provedores, inicialmente a E-net, de Salvador, depois a Secrel, daqui,
Fortaleza, o apoio tem sido absoluto. Hoje, eu-xozim é que faço tudo. Inclusive
a atualização diária da página. Claro que tudo isto me toma um tempo danado.
Aposentei-me, mas tanjo um escritório de advocacia tributária, de manhã, de
tarde e de noite… Se você me perguntar de onde tiro tempo, responderei que sou
um lobisomem, corro as sete partes do mundo de noite e, de manhã bem cedo, sou
o primeiro que chega ao escritório, o último que sai, com escuro… a tempo só de
virar lobisomem do JP outra vez. Mais nada.
FM Como deve proceder aquele poeta que
queira participar do Jornal
de Poesia?
SF Hoje encaminho a turma para a Usina de Letras: www.usinadeletras.com.br/. Como eu
disse, é tudo muito fácil e gratuito. Depois, o poeta me passa o endereço e
então coloco o link no JP. Mas há a
estimadíssima figura do cupinchato. Claro que meus amigos não hão-de ficar na
chuva. Homenageio-os, pois. Hoje mesmo coloquei a página do Dimas Macedo sobre
o poeta Alcides Pinto, cupinchíssimos, meus e seus. Se deu trabalho? Mas eu é
que fico devendo o favor a eles…
FM E no caso de instituições,
editoras, fundações, que acaso queiram estabelecer algum tipo de parceria, ou
mesmo enviar-te sugestões de novos autores a serem incluídos, como tens reagido
a esse tipo de diálogo?
SF Em aberto! Estou só aguardando. Mas
quem disse?! Vamos ver se aparece algum doido. Gastar dinheiro do próprio bolso
para um empreendimento como o JP não é coisa fácil de encontrar.
FM Hoje o Jornal de Poesia é site indicado pelo Instituto Camões,
em Portugal. Como
se deu tal conexão?
SF O JP hoje é referência mundial em
literatura, sobretudo na lusofonia. Faço questão de não colocar contadores na
página. Os amigos, penalizados e generosos, sempre dirão que é pouco; os
inimigos, de inveja, que é mentira… De modo que prefiro desconfiar que é lido,
bastante lido. O pior é quando vou fazer uma pesquisa sobre um assunto
qualquer; volta e meia, caio no JP. Uma chatice, uma
desmoralização, claro que é, achar aqui em meus pés o que busco tão longe…
Espio no espelho, tomo um gole d’água… Se fumasse acenderia um; se bebesse
emborcaria goela abaixo uma lapada de aguardente.
FM Quais outras relações tem
conseguido estabelecer o Jornal
de Poesia, nacional e internacionalmente?
SF Ah, como tem sido gratificante!
Esta semana apareceu no escritório um amigo do JP,
brasileiro de Pacoti, Ceará, morando em Bufalo, Colorado, há uns 50 anos. Foi
festão! Ainda nos começos, Bahia, apareceu por lá um luso-canadense, Vasco, desviando
roteiro só para conhecer o editor do JP. A festa? Sou
inteiramente a favor.
FM Sendo reconhecido como o site mais
abrangente sobre o tema, o Jornal
de Poesia chama
a atenção por ser atividade privada e fruto basicamente do trabalho de uma
única pessoa. Institucionalmente o país não conta com algo similar,
independente da extensão ou complexidade do projeto. Alguma vez foste
procurado, seja pelo MinC ou mesmo por uma secretaria de cultura local,
municipal ou estadual?
SF Tenho pensando seriamente nisto.
Mas, o tempo que vou gastar para correr atrás de um político, melhor corrê-lo
atrás de um cliente do escritório… Assim tem sido. Não, por enquanto não vou
atrás deles não.
FM Como se mantém hoje o Jornal de Poesia em termos de suporte e difusão?
SF Apenas no boca-a-boca. O JP está nos buscadores de toda a orbe,
desde o Cadê, Brasil, ao mundial www.google.com. Claro que
quanto mais divulgado, melhor. É hora de passar um mail-geral sobre as
novidades, pelo menos as do mês. Vamos pensar nisto.
[2002]
[Entrevista com Soares Feitosa (Brasil, 1944), publicada em Invenção
do Brasil. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013. http://www.amazon.com/Inven%C3%A7%C3%A3o-Brasil-entrevistas-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00FTBMR24]
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