FM Dentro de um panorama
histórico que assinala os 35 anos de independência de teu país, quais
observações são possíveis no que diz respeito às suas perspectivas culturais,
em especial no território da literatura em São Tomé e Príncipe. De que
maneira o ambiente histórico interfere na consubstanciação de uma tradição
literária?
OB Para além do “sonho
que comanda a vida”, a ligação estética com toda a poesia de língua
portuguesa que norteou os meus primeiros passos, foi feita ainda em tempos de
colégio onde poetas como João de Deus, Afonso Lopes Vieira, Camões, Augusto
Gil, Gonçalves Crespo, faziam parte da obrigatoriedade escolar. Pouco mais se
lia para além do limite das aulas. Tive a sorte de ser neta e bisneta de
professores que ao longo da sua vida encheram a casa com obras de muitos e
diversos autores. E aí dei os meus primeiros passos no horizonte
da poesia. Li Bocage, (que na época era considerado quase um poeta maldito,
ligado apenas a poemas eróticos), Fernando Pessoa (ainda não tínhamos entrado
na loucura Pessoana), Cesário Verde, Mário Sá-Carneiro, e descobri então
que a poesia era muito mais do que as quadras simples de João de Deus ou
Guerra Junqueiro. Mais tarde devorei Sophia de Mello Breyner, António Gedeão,
João Cabral de Mello Neto, Francisco José Tenreiro, Agostinho Neto, Alda
Lara, Jorge Barbosa e assim me fui apercebendo da dimensão cósmica da poesia
em língua portuguesa.
E se, nos meus primeiros
poemas a minha relação estética se ficou pelo telúrico, pela saudade, pelo
vazio da alma aprisionada, mais tarde alargo-me pela vastidão oceânica e
deixo-me “aprisionar” ao mar de Sphia, aos sentimentos puros de Mello Neto,
ao cântico negro de Tenreiro, embora teça com todos estes poetas uma rede
ambivalente em que me espraio e me reconheço, a minha própria poesia, o meu
próprio eu.
FM Em que esta literatura
se corresponde com as demais de língua portuguesa, seja em África, Europa ou
América? Sugiro comentários sobre intercâmbios acaso existentes tanto no
plano institucional, de política cultural dos países de língua portuguesa,
como também em termos de iniciativa privada da parte dos próprios escritores.
E naturalmente sugiro comentário sobre os motivos da eventual escassez ou
inexistência desses intercâmbios.
OB A dimensão
arquipelágica do meu país tem tido, em meu entender, uma influência negativa
na divulgação de todos os poetas da ilha. Somos ilhéus, somos poetas mas
sobretudos somos muito pequenos e carregamos um passado de escravos e
contratados que marcou, injustamente, o povo de São Tomé e Príncipe com uma
nódoa da qual ainda não nos conseguimos libertar. Temos grandes poetas que
nunca foram traduzidos, embora reconhecidos como nomes sonantes, cito
Francisco José Tenreiro, Maria Manuela Margarido, Alda do Espírito Santo,
Tomás de Medeiros, entre outros. Mas se estes conseguiram passar as
fronteiras da ilha, muitos outros continuam no anonimato, lutando por um
merecido e reconhecido lugar ao sol.
Todo este deficiente
panorama literário se fica também a dever à falta de meios de divulgação (e
económicos) de que carece o arquipélago, falta de editoras, tipografias e de todo
o sistema que pode projetar o poeta enquanto fruto de um determinado local.
Acresce-me dizer que o pouco que se tem feito em matéria de ajuda a jovens
poetas se fica a dever à força e ao dinamismo da grande poeta e senhora da
cultura santomense que é Alda do Espírito Santo que apesar da sua proveta
idade se disponibiliza para dinamizar e encorajar aqueles que a procuram para
adquirirem conhecimentos linguísticos e literários.
FM E a tua poesia, em
particular, de que maneira se alimenta dessas duas circunstâncias aqui
abordadas? Sugiro observações tanto no plano estético quanto na projeção de
tua obra em termos de mercado editorial internacional.
OB Vários são os fatores
que levam a que não nos conheçamos e o principal é que atravessamos uma época
em que a cultura, em qualquer país, é relegada para um plano secundário. Há
verbas para tudo, menos para a cultura. Acontece isso com todo o espaço
lusófono, o que é de lamentar pois que em meu entender se deveriam realizar
mais encontros, tertúlias, congressos, em que os autores lusófonos se
pudessem conhecer mutuamente, trocando e ofertando obras. Outro dos grandes
males que afeta a nossa era é que nesses congressos e encontros que aqui e
ali se vão fazendo só os grandes nomes estão presentes, e o que é triste é
que são sempre os mesmos. Não há lugar a nomes que não sejam de primeira
página, pouco se importando os organizadores com a repetição que, por vezes,
chega a cair no ridículo se compararmos programas de vários anos. Deveria, em
meu entender, haver mais projectos com o Brasil, com Angola, com Cabo Verde,
enfim, com todo o espaço lusófono, de forma a difundirmos as nossas
semelhanças e as nossas diferenças. Há que dar lugar à literatura lusófona
numa dimensão onde se dê a conhecer autores e livros que se não forem
apresentados e divulgados morrem no esquecimento de uma ilha qualquer.
E é pena!
[2009]
[Visite a página de Olinda Beja (São Tomé e Príncipe, 1946) no Projeto Editorial Banda Lusófona: http://www.jornaldepoesia.jor.br/BLBLolindabeja.htm.]
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quinta-feira, 21 de agosto de 2014
OLINDA BEJA | Uma breve conversa
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