A ideia de
um diálogo com o artista argentino Víctor Chab (1930) já me perseguia há algum
tempo. Certa confluência nossa indicava que tal encontro seria valioso. Já o
publiquei em destaque no Brasil por duas vezes, nas revistas Xilo e Agulha.
Então finalmente propus a Chab uma entrevista, enviando-lhe perguntas para que
a partir delas desenvolvêssemos algo mais extenso. Nosso ritmo de vida nem
sempre nos permite o sossego para realizar tudo o que desejamos. Logo me
escreveu Chab optando por uma forma distinta da que lhe havia proposto. Sugere
então um depoimento com base nos tópicos que eu lhe havia remetido. Nosso
encontro buscava desde os primeiros momentos de Chab, relações com seus pares e
geração imediatamente anterior, perspectivas do surrealismo que envolviam a
passagem de uma geração a outra etc. Chab começou a descobrir uma voz própria
em meio a uma circunstância onde se mesclavam denominações e conceitos dados
como distintos mas que eram complementares ou tinham a mesma raiz: abstração
pós-concreta, surrealismo gestual, action
painting, abstração lírica etc. A este respeito
disse o poeta Julio Llinás (1929) que tais modulações "responden a
efímeras variaciones alrededor de un mismo nudo experimental y que ese nudo no
tiene otros orígenes que el Surrealismo ni toma su vigor de otra corriente que
no sea la de ese espíritu en constante evolución y desarrollo". Contudo,
algumas dessas variações acabaram sendo deslocadas pela crítica acadêmica, o
que impede ainda hoje a abordagem de uma influência do Surrealismo na obra de
alguns artistas. Um outro aspecto envolvendo o Surrealismo diz respeito ao
corte que traçou Jean Schuster entre um Surrealismo histórico - encerrado com a
morte de Breton - e outro eterno. Tal contraste ou dissensão sempre me pareceu
golpista, pois tem em sua raiz um princípio de tomada de poder. Não faz sentido
pensar em «Surrealismo histórico», exceto se a intenção é decretar-lhe um fim.
E podemos perceber um final de vida («¿cuál es tu obra póstuma?») para um
surrealista, porém nunca para o Surrealismo. Naturalmente que concordamos a
respeito, Chab e eu, mas o importante não é propriamente a concordância e sim o
anúncio da mesma, a seguida afirmação de uma atenção contra esse tipo de
distorção intencional. Uma outra curiosidade que mencionei dizia respeito a um
aspecto local na Argentina dos anos 50, ou seja, quando surge, em 1958, o
grupo/revista Boa (com certa destacada influência de
Julio Llinás e Édouard Jaguer, numa margem e outra do Atlântico), Buenos Aires
já contava com a publicação de revistas como Qué (1928), A partir de 0 (1952) e Letra y Línea (1953), por exemplo. De que maneira
essa cumplicidade com o parisiense Phases contribuiria para o Surrealismo na
Argentina? Até que ponto se poderia avaliar hoje afinidades e dissonâncias com
o que já vinha realizando Aldo Pellegrini? Neste primeiro momento de nosso
diálogo Chab aponta algumas perspectivas bastante reveladoras dos meandros de
uma história que ainda não foi tocada senão em pequenos véus de seus
bastidores.
VC | Desde los trece años tuve una gran atracción por las
artes plásticas. Como yo desciendo de una familia de pequeños comerciantes
sefardíes, muy simples, sin una cultura en la cual apoyarme, no tuve ni
estímulo ni modelos, de modo que inicié mi trabajo sin idea alguna sobre mi
futuro. Hacia 1950 conocí a Batlle Planas y sus discípulos Roberto Aizemberg,
Julio Silva -que vive en París desde 1953- y sobre todo Juan Andralis, que fué
el que me reveló el surrealismo; sus pintores, sus poetas, sus ideas, sus manifiestos,
etc… Andralis, quien ya tenía una sólida cultura y en especial sobre
surrealismo, poco después viajó a París y se vinculó con Andre Breton, Wifredo
Lam, Tristan Tzara, y asistía a las reuniones de la Place Blanche. En una de
las últimas fotos del grupo, aparece retratado junto a Breton, Max Ernst,
Benjamin Pèret, Man Ray, Jean Louis Bedouin, José Pierre, etc. En esa época
Guillermo Roux no figuraba en la escena de la plástica y Xul Solar, tenía un
mínimo prestigio. Aún no se lo había descubierto en toda su dimensión creadora.
Coincido con Julio Llinás - aunque el mismo ha negado su pasado surrealista y a
pesar de que su actual poesía continúa la mejor tradición surrealista; Enrique
Molina también en sus últimos años, insistió en esa negativa - en que la
abstracción lírica, la action painting, aún el informalismo español, tiene una
raíz surreal, sobre todo si tenemos en cuenta que todas estas tendencias están
basadas en un tema fundamental para el surrealismo que es el automatismo. En
cuanto a la idea de la muerte del surrealismo, no olvidemos que si bien los
fundamentos del surrealismo están muy claramente expuestos en el primer
manifiesto de 1924, a partir de ese mismo año se lo dió por muerto
sistemáticamente, por los espíritus idiotas que no vieron más allá de sus
narices. Estoy de acuerdo en que el límite que Jean Schuster establece entre el
surrealismo histórico y el eterno -con la muerte de Breton- es una violencia
golpista y arbitraria y totalmente innecesaria. Carece de fundamento teórico. La
participación de Edouard Jaguer en la revista "Boa" -que deviene de
su amistad con Llinás- fue altamente provechosa y jamás que yo sepa, entró en
colisión con las ideas de Aldo Pellegrini, quien incluso llegó más lejos que
Jaguer, al incluir en la selección de la exposición surrealista del Instituto
Di Tella en 1967, a artistas que poco o nada tenían que ver con el espíritu del
surrealismo.
FM | A partir deste momento comecei a
indagar por aspectos ligados diretamente à criação, trama estética, percepções.
Recordei a Chab que, ao escrever sobre uma exposição sua em Lima (Peru, 1995),
disse Jorge Villacorta Chávez, a respeito do que se poderia chamar de arte
contemporânea na América Latina, que ali «un barroquismo irreflexivo y plagado
de efectismo ha sido ultimamente adoptado como pobre sustituto del estado de
libertad salvaje que es prerrogativa de la psique llevar con violencia absoluta
a la creación en arte». Talvez seja difícil para nós estabelecer até onde essa
irreflexão seja resultante de uma exigência de mercado ou fruto de um daqueles
momentos de refluxo onde a arte se limita a epigonismos e diluições. O fato é
que existe em nosso tempo uma obsessão pelo novo, o que acaba acentuando as
limitações. Em seguida observei que, mais recentemente, por ocasião de uma
exposição em Buenos Aires em 2001, escreveu Aldo Galli que a pintura de Chab
(atual, segundo ele) «oscila entre surrealismo y expresionismo». Em primeiro
lugar eu não creio que haja uma vacilação entre dois mundos, e sim uma zona de
tensão que busca uma substantiva fusão. Ernst dizia que para os
impressionistas, «la retina era una inagotable fuente de placer», contrastando
com uma deformação da realidade no caso dos expressionistas. O Surrealismo
apaga essas fronteiras, acasalando sonho e crônica. Basta pensar em Magritte:
«El surrealismo reivindica para la vida despierta una libertad parecida a la
que tenemos en el sueño». O problema é que Galli aparentemente possui uma visão
segregacionista ou marginalizante. Na mesma
crítica diz: «aunque la imagen tiene un corte actualizado, hay detrás un oficio
sostenido por todas las tradiciones de la buena pintura». Ora, penso
que Magritte referia-se à pintura como «o pensamento que vê», então há que se
pensar na pintura (tradição/ruptura) com tudo o que ela tem a nos oferecer.
Caso contrário, um dia podem escrever a respeito de um artista: «era apenas um
excepcional pintor surrealista». A partir daí observei ainda acerca da
concepção de cada artista acerca da criação. Se considerarmos os postulados do
Surrealismo, a inesgotável fertilidade de aspectos como humor, automatismo,
maravilhoso, onirismo, exaltação lírica, é possível atentar para uma destacada
presença do erotismo na obra de Chab, onde a transgressão anatômica, por
exemplo, ampara-se em uma sensualidade vertiginosa, uma luxúria sem limites, a
imagem afirmando-se através de uma lubricidade.
VC | En el año 2001 Aldo Galli describe mi pintura como
oscilando entre el surrealismo y el expresionismo. Y bien, no solo él sostiene
esta idea, sino muchos otros hablan de este maridaje. En realidad a mi no me
incomoda en absoluto esta idea, porque algo tiene de real. El surrealismo ha
tenido históricamente todo tipo de influencias, que no le ha quitado nada de su
fuerza esencialmente revulsiva. Y en cuanto al expresionismo en particular, es
un movimiento al que yo me siento ligado y que ha dado pintores de la talla de
Grosz, Schiele, Dix, etc. Yo concibo el arte de pintar como el camino de la
gran libertad. De igual manera que transité por caminos distintos y opuestos,
en la actualidad mi obra está fijada al desnudo femenino; el cuerpo de la mujer
no tiene igual como cantera para las variaciones estéticas y me produce un
placer sin límites. El surrealismo tiene la particularidad maravillosa de no
basarse en un corpus técnico como el cubismo, fauvismo, el neoplasticismo,
donde los fundamentos están basados estrictamente en la descomposición de la
figura (cubismo), la plenitud del color (fauvismo), o la geometría ortogonal
(neoplasticismo). El surrealismo nos abre las puertas a lo desconocido. Todas
las formas y todas las técnicas pueden adscribirse a la fantasías más
delirantes: figuración o no figuración, y todas las variantes de la reunión de
los contrarios.
FM | Em um momento conclusivo de nosso
diálogo Chab comentou a respeito de vínculos com Brasil e Portugal, quando
então mencionei a não existência - no largo roteiro internacional de suas
viagens - de uma exposição dele em Portugal, onde sempre esteve muito presente
o Surrealismo, destacando-se a obra de muitos artistas, dentre os quais
Cruzeiro Seixas e Mário Botas, ao passo que no Brasil, país vizinho da
Argentina, havia registro tão-somente de duas coletivas em 1958 e 1961,
posterior a isto havendo apenas a mostra «Austral do Brasil e Cone Sul» (Bienal
de S. Paulo, 1997) e sua presença como «artista convidado» da revista Agulha, em 2000.
VC | En cuanto al surrealismo portugués y al brasileño, debo
confesar mi desconocimiento, no tengo la suficiente información. Debo a
Perfecto Cuadrado el material que me ha enviado y que me está sacando de la
ignorancia. En relación a Brasil, he intentado por diferentes medios concretar
alguna muestra de mis obras, pero siempre he fracasado. Espero, en un futuro
próximo, integrar estos dos países a mi trayectoria, conjuntamente a Perú,
Panamá, Costa Rica, El Salvador, Colombia, Venezuela, etc.; donde realicé
innumerables exposiciones.
[Entrevista publicada na Agulha Revista de Cultura # 31 —
Dezembro de 2002.]
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