segunda-feira, 25 de agosto de 2014

FRANCISCO MADARIAGA | Uma breve conversa



FM – Conhecimento do mundo, ordenação do espírito (“sou aquele que possui os desejos do zelo da terra”), experiência da experiência, duelo com o indizível, caudal de evocações… De que nos fala a poesia?

FM – A poesia eclode do fundo solar do poeta e projeta-se diretamente nas ventarolas da consciência e no coração dos homens. Não recolhe impurezas em seu caminho, como a prosa; tudo sai por inteiro e a um só tempo, inclusive a história, na imagem.

FM – Se pensarmos em nomes tão distantes entre si, como Leopoldo Marechal, Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo, Leopoldo Lugones, teríamos aí algumas de suas influências?

FM – Conheci e fui muito amigo de Oliverio Girondo, o maior poeta deste país e um dos enormes poetas latino-americanos. Não creio haver tido nenhuma influência dele, e muito menos de Marechal, Lugones e Borges… Os poetas de todos os tempos, desde Hesíodo, mesclaram-se com a minha natureza e os homens pânicos de Corrientes, e eu sou apenas um peão do planeta.

FM – Corrientes é o ponto de partida de tua poesia. Como disse Juan Antonio Vasco, no prefácio de uma antologia tua publicada na Venezuela em 1983, tornaste Corrientes o “centro de tua própria universalidade autêntica”. Achas possível pensar o poema como criação da comunidade, fusão entre realidade e imaginário de uma coletividade? Acreditas que tenhas realizado tal fusão?

FM – Corrientes é um cosmos, qualquer outra palavra sobre isto terá que ser buscada em meus poemas, se de mim se trata.

FM – O que significou, no quadro geral de tua obra, tua passagem pelo Surrealismo? Até que ponto o Surrealismo – no que pese o fato de que o grupo formado por Aldo Pellegrini tenha tido um caráter precursor em toda a extensão do idioma – alterou o cenário da poesia argentina?

FM – A grande tentativa de liberdade, amor, purificação e rebeldia do Surrealismo, seu grande salto ao amor (e por amor), deixaram, sim, muitas trilhas em mim. Fui um aliado leal do Surrealismo que, já o sabemos, na América se encontra em estado natural. A escrita automática me foi ordenada pelas almas e as fadas de Corrientes, e, repito, fui apenas o peão do planeta diante dessas ordens. Aldo Pellegrini, não se pode esquecer, fez muitíssimo pela verdadeira poesia na América Latina.

FM – Eis o fragmento de um ensaio de Octavio Paz sobre Castañeda: “as drogas, as práticas ascéticas e os exercícios de meditação não são fins mas sim meios. Se o meio se torna fim, converte-se em agente de destruição. O resultado não é a liberação interior, mas sim a escravidão, a loucura e não a sabedoria, a degradação e não a visão. Isto é o que tem ocorrido nos últimos anos. As drogas alucinógenas têm se tornado potências destrutivas porque têm sido arrancadas de seu contexto teológico e ritual.” O que pensa a este respeito? Alguma vez recorreste às drogas na feitura de teus poemas?

FM – Estou de acordo com o fragmento de Paz sobre as drogas. As únicas drogas que tenho conhecido são as que exalam os grandes rios, pântanos, lagoas e palmeirais de Corrientes, vapores com cheiro de serpentes e sáurios e cavalos.

FM – Em teu livro Resplandor de mis bárbaras (1985) há uma citação de Baudelaire: “Deus é o único ser que para reinar não tem necessidade de existir”. Qual é o teu Deus?

FM – Meu Deus é o DEUS RAS… do horizonte, entre o céu, a terra e a água. Somente a ele me recomendo.

FM – Tiveste algum contato com a poesia de Jacobo Fijman? O conheceste pessoalmente? Poderia nos falar dele, de até que ponto teria sido injustiçado dentro do panorama geral da poesia argentina (penso, por exemplo, no caso de Juan Ortiz)?

FM – Conheço a obra de Fijman, é válida sua inserção no panorama poético argentino. Quanto a Juan L. Ortiz, foi um grande e verdadeiro poeta. Também fui seu amigo.

FM – Mário Benedetti declarou certa vez que as ditaduras instaladas ao longo do continente americano seriam o fator determinante do isolamento cultural aí encontrado. Concordarias com ele ou acaso seriam outras as razões de tal isolamento (que ainda hoje persiste)?

FM – Teríamos talvez que convocar as almas de Bernardo de Monteagudo, na Argentina, e as de Simón Bolívar. Talvez elas pudessem definitivamente nos dar uma luz sobre as causas do isolamento em geral.

FM – Gostarias de falar sobre a situação da atual poesia argentina? Penso em uma verdadeira avalanche de nomes: Roberto Juarroz, Leónidas Lamborghini, Santiago Perednik, Victor Redondo, Hugo Pedaletti, Arturo Carrera, Nahuel Santana, Néstor Perlongher etc. Quais, a teu ver, as mudanças ocorridas na poesia argentina após os ventos fortes do Surrealismo?

FM – Enrique Molina, Edgar Bayley, Olga Orozco, Hugo Gola e outros, estão em plena e elevada maturidade. Estou de acordo com que recordes, por exemplo, Victor Redondo e Arturo Carrera – eu acrescentaria outros, como Daniel Freidemberg e Diana Bellessi, e muitos outros jovens que caminham muito bem, e que são poetas.

[1987]


[Entrevista incluída no livro O Começo da Busca - O surrealismo na poesia da América Latina, de Floriano Martins (São Paulo: Escrituras Editora, 2001).]

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