FM Há quase duas
décadas vives na Alemanha. De que modo esta ausência física do Brasil atua em
tua convivência estética com a tradição lírica brasileira? Tua formação como
poeta está naturalmente influída pela residência alemã. Quais aspectos em
particular foram mais evidentes em sua cultura que te ajudaram a esboçar e
definir uma visão de mundo?
VSP Viver no exterior nos possibilita ver e julgar muitos
aspectos do país natal através de um ângulo mais abrangente. Não raro somos
induzidos a tomar uma posição política nas conversações com amigos. Um
brasileiro que vive no exterior é levado, em determinadas situações, a
representar o seu país. Somos mediadores da cultura brasileira. Tal condição
nos induz a refletir sobre as nossas raízes. O que talvez não fizéssemos, não
desta forma crítica e profunda, se tivéssemos sempre vivendo no país natal. Por
outro lado, perdemos a capacidade de julgar algumas mudanças e normas, que
variam na sociedade conforme o seu desenvolvimento, porque não estamos
acompanhando este desenvolvimento de perto. Mas na criação, além do espaço
geográfico, é o espaço imagético que conta, e este espaço é apolítico e
apátrida. É indiscutível que as experiências vividas no mundo real influenciam
o autor. Como minha infância e adolescência foram vividas no Brasil e, para
repetir uma citação de Ingeborg Bachmann: “sem que o escritor tenha consciência
são os anos da infância seu verdadeiro capital… o que vem depois, e que até
pode ser considerado muito mais interessante, em nada acrescenta,
estranhamente, apenas que, anos mais tarde é que se começa a entender o que se
viu com o primeiro olhar”, considero as raízes da minha literatura arraigadas
na cultura brasileira, mesmo porque escrevo em português, entretanto, o que
veio depois, que é a cultura europeia, especificamente a alemã, acrescentou
sim, muito, na minha criação e visão de mundo. Esta influência me fez definir
melhor o meu estilo e me tornou mais consciente sobre as questões da
identidade. Procuro resgatar as minhas raízes e ao mesmo tempo absorver as
influências europeias. Mas a poesia é um gênero complexo. Pega-se uma lembrança
da infância, uma cena do cotidiano, uma imagem de São Paulo ou Berlim ou de
alguma cidade a qual visitamos, Barcelona, Algarve, Sertãozinho, pega-se um
grão de terra da caatinga, da areia do Saara, uma folha de coqueiro, um floco
de neve, uma pedra do Reno, uma concha quebrada da praia de Búzios, pega-se
impressões, ou apenas um estado de espírito, faz-se experimentos com as
palavras e cria-se um poema. Ele nasce do subconsciente e associa uma coisa à
outra, mescla as impressões, as imagens, independentemente da nacionalidade.
Interessante mencionar aqui que há muitos escritores que não vivem ou não
viveram em seu país natal. Saramago viveu na Espanha; Clarice Lispector viveu
muitos anos no exterior; Guimarães Rosa também, inclusive escreveu Grandes Sertões: Veredas em Hamburgo; J.
M. Coetzee vive na Austrália; Adonis, o poeta sírio-libanês, vive na França.
FM Quando preparei
uma antologia da poesia boliviana, em minhas pesquisas descobri um poeta
nascido na Bolívia e que posteriormente passou a maior parte de sua vida em Minas Gerais. Seu
nome é Wilson Rocha (1921-2005). De alguma maneira este poeta acabou esquecido,
seja como brasileiro ou como boliviano. A tua produção literária (poemas,
narrativa, ensaios) se mantém em português, de maneira que não habitas a cena
literária alemã. No entanto, a tua longa ausência do Brasil talvez constitua um
obstáculo para a recepção de tua obra como a de uma escritora brasileira. Acaso
tens esta sensação?
VSP Sem dúvida,
trata-se de um obstáculo. Infelizmente ainda há muito de provinciano no cenário
intelectual brasileiro, e não digo da parte
dos leitores, mas dos editores e críticos. Se houvesse uma crítica mais
autêntica e consciente de sua função (orientar os leitores para uma boa
leitura, uma leitura crítica, na qual se extrai a essência do livro e não uma
crítica baseada em favores para amigos escritores ou de jornalistas escritores
em que apenas se elogia um livro de forma superficial, oca). Se houvesse uma
crítica que abrisse novos caminhos, novas fontes de leitura, ao invés de se
acomodar falando somente bem ou mal de um livro. Se não houvesse uma enxurrada
de preconceitos neste meio, o panorama da literatura brasileira seria muito
mais diversificado e rico. Às vezes penso que as editoras só publicam livros de
jornalistas, porque estes já possuem um pé na mídia para facilitar a divulgação
do livro e da venda. No caso dos poetas, eles devem ser os tradutores da casa,
as editoras só publicam os poetas que estão empregados como tradutores na
própria editora. Assim fica difícil dar chance para um autor original fora
deste meio. Infelizmente não existe nenhum Maurice Nadeau brasileiro. Mas estes preconceitos não se encontram
somente no Brasil, no resto da América Latina não é muito diferente. Wilson
Rocha teve o azar de ir para o Brasil e não para a Espanha. Se tivesse ido para
a Espanha, teria publicado os seus livros lá, teria sido inserido no mercado
internacional e adquirido o devido respeito. O Brasil não sabe reconhecer
muitas coisas valorosas de sua própria cultura. Esta sempre foi uma lamentável
dificuldade que o Brasil possui. E ironicamente é inumerável tudo aquilo que
ele possui de culturalmente rico que é tratado com indiferença. A Espanha
incentiva os autores hispano-americanos. A França os autores africanos. Nos
Estados Unidos uma brasileira chamada Frances de Pontes Peebles, escreveu um
romance em inglês, The seamstress,
que foi traduzido para o espanhol e alemão, e está obtendo considerável
sucesso. Comparam-na com García Márquez e Isabel Allende. Mas o Brasil será o
último a tomar nota disso. A Alemanha incentiva os autores árabes e persas,
como Rafik Schami e Navid Kermani, que são bem
conceituados. Entretanto, quem escreve em uma língua estrangeira que não seja o
inglês ou francês, não tem chance na Alemanha. Por outro lado, se Navid Kermani
e Rafik Schami escrevessem numa destas línguas já teriam
alcançado reconhecimento internacional. Acontece que o alemão e o português não
são um idoma internacional, como o espanhol, o inglês e o francês.
FM Considerando
infância e adolescência vividas no Brasil, portanto a fonte mágica de onde se
originam afinidades estéticas e visão de mundo, quais aquelas recorrências
positivas que foram pouco a pouco definindo as tuas contas, o teu colar
existencial?
VSP Bom, são muitas,
mas mencionarei apenas algumas. Em casa tínhamos uma modesta biblioteca onde
havia a enciclopédia Abril, livros da mitologia grega e egípcia, e a coleção do
Círculo do Livro, uma coleção de contos de fadas com lindíssimas ilustrações.
Eu amava esses livros. E as férias na praia, no litoral próximo a Peruíbe, em
meio à mata Atlântica. O mar me fascina, pensei que não conseguiria viver longe
dele. O ruído estrondoso das tempestades com os clarões dos relâmpagos (as
tempestades alemãs não são barulhentas, embora a mudança do clima esteja
gerando fortes tempestades também na Alemanha) e o por do sol. Morávamos em um
sobrado em São Paulo ,
e quando do quintal eu via o vermelho do sol, corria para o meu quarto para
admirar o crepúsculo da janela. Aos poucos o céu foi sendo coberto pelos
prédios enormes. Não existe mais o avermelhado, abóbora, rosa, roxo do
crepúsculo, agora as cores foram esmaecidas pela poluição. Outra imagem que
ficou na minha memória, mas que não é positiva, são os mendigos no Viaduto do
Chá. Eu tinha que atravessar aquele viaduto para ir trabalhar em um escritório
no centro. Todos os dias passando por aquelas pessoas no chão: mães, crianças,
velhos, doentes, famintos, imundos, as crianças de rua abandonadas. Até hoje me
dói muito ver tal coisa. Eu precisava descobrir que isso não é normal, que se trata
de um problema social e não que a Humanidade é assim, injusta e indiferente.
Também por este motivo queria conhecer outro país. Viajei por muitas cidades
brasileiras, mas como minha família vive em São Paulo , sempre visito
esta cidade. São Paulo está presente em muitos dos meus poemas urbanos.
FM Algo que me encanta em tua poética é esse aspecto visceral que torna a tua
experiência de vida — de que fazem parte aspectos como sonhos, visões,
devaneios, frustrações — presente no poema como um determinante que é a sua
própria razão de ser. O poema como reflexo do que és, fusão de planos como o
abstrato e o concreto. Mitologias, contos de fadas, sim, leituras postas em um
caldeirão cujo ingrediente mais apimentado era o teu percurso diário pelo
Viaduto do Chá. Mas as referências poéticas, quais?
VSP Eu não diria que o Viaduto do Chá é um ingrediente em minha poética,
procuro tratar de temas diversos, impressões ou reflexões sobre os
acontecimentos do dia-a-dia, algum sentimento, imagem, ou é simplesmente a
atração por uma determinada palavra. Leio muito, desde os clássicos aos
vanguardistas (as mitologias e os clássicos são essenciais), e as minhas
referências são muitas. Não faz sentido
listá-las aqui.
FM Vou aqui te contar uma
história que está muito ligada à nossa afinidade poética. Quando morei em São Paulo , no princípio dos anos 80 do século que
chamamos de passado, mas que é presente no sentido de que ali estão as nossas
referências, eu tive uma experiência muito próxima à tua, pois diariamente
cruzava os bastidores de outro viaduto, o que me levava da Av. 9 de Julho à
Praça Roosevelt, onde eu trabalhava. Ali o mesmo intrigante cenário miserável.
Foram 5 anos fazendo o mesmo percurso, intimidade com a mudança de clima e suas
arestas, eu vi ali o mundo sob diversos enfoques, cheguei a dançar entre eles
uma noite gélida, o fogo em um latão. E voltava para casa indagando a mim mesmo
qual o motivo da felicidade da miséria. Nunca pus em dúvida a alegria de viver
deles, mas sim a minha. Certamente aquela cena repetida por 5 anos, em
circunstância alguma nunca a mesma, me fez abandonar São Paulo. Sabemos que a
vida precede o poema. Também sabemos que um poeta está mesclado de ambientes
que envolvem as outras formas de expressão artística. Seguimos com as
referências?
VSP Não abandonei São
Paulo, mesmo que eu quisesse não conseguiria. Cresci em São Paulo , minha visão
de mundo parte de São Paulo e sofre interferência com a visão adquirida na
Alemanha. Quais interferências? Ainda é muito cedo para defini-las, para isso
eu tenho que escrever mais. A alegria de viver deles? Não é alegria. Por mais que riem, não são pessoas
felizes. Mães impossibilitadas de dar proteção a seus filhos, que vivem na rua,
sem ensino, sem teto, sem higiene, sem alimentação… pode existir momentos em
que sorriem, mas não são felizes. Essas pessoas não estão bem e não vivem bem.
Mas o que faz alguém ser poeta? O que o leva a escrever de forma lírica? Que
necessidade é essa? O poeta possui uma grande perspicácia associada à estética.
Ele nasce com uma vocação artística, como um dançarino, um músico. Pode-se
dizer que é alguém que vive à flor da pele, em carne viva. Eu já me descrevi
como uma escultura de Gunther von Hagen. A existência me arde na pele. O poeta
possui a sensibilidade para captar um ângulo, um sentimento, um momento, que
passa despercebido pelas pessoas submersas na realidade. Minhas referências são
a Natureza, as questões existenciais que afligem o meu cotidiano, os
sentimentos que abalam as nossas certezas, as pequenas atitudes que modificam
nossa vida inteira, e a própria arte, sobretudo as artes plásticas e o teatro
me atraem. Berlim possui ótimos teatros. Eu pintava na adolescência, queria ser
artista plástica, mas não tinha dinheiro para comprar as tintas importadas da
Alemanha nem para pagar a faculdade de Belas Artes em São Paulo. Escrever
era mais econômico, só era preciso lápis e papel.
FM Recordo aqui passagem de um livro autobiográfico de Lêdo Ivo: “Na
literatura brasileira, ninguém caça, ninguém pesca, ninguém ama, ninguém vive.
É uma literatura livresca, que só sabe respirar o ar abafado dos livros.” Temos
aqui o tema do excesso beletrista de nossas letras. Na lírica, o desastre é
completo. Desde o Parnasianismo que jamais saímos do… Parnasianismo. As
exceções seguem com o péssimo hábito de apenas confirmar a regra. Tu és parte
da exceção. A regra é remediável?
VSP É natural que nos tempos atuais se faça tudo quanto é tipo de poesia. Faz
parte da criação experimentar caminhos inusitados e tentativas frustradas. Hoje
em dia há muitos poetas e poesia. Não acho ruim, se há leitores neste meio, por
que não? Por outro lado, cabe aos acadêmicos e aos críticos reconhecer os
poetas promissores e selecionar aqueles que realmente têm uma obra
representativa dos amadores. Acredito que existe um foco muito grande para um
determinado tipo de literatura e estilo e se ignora outros que são originais e
de boa qualidade. A literatura é arte e como arte precisa ultrapassar
fronteiras e desafiar as regras. Não obrigatoriamente, mas esta é uma
característica inerente à arte. A literatura não é feita só de palavras, é
preciso sangue e pulsação. O leitor quer, de alguma forma, identificar-se com
aquilo que ele lê. A escrita precisa tocá-lo. Isto não quer dizer que James
Joyce, por ser um autor “difícil” criou uma literatura só de palavras. Joyce
criou algo autêntico, escreveu o que ele via e sentia que, por consequência de
sua complexa personalidade, tornou-se uma leitura elitista. O que não é
negativo. A arte sempre teve o seu lado elitista e o popular. Existe na
literatura, mais do que em qualquer outra manifestação artística, o aspecto elitista.
Acredito que no Brasil há muitos escritores originais e ousados, mas continuam
inéditos. As editoras
brasileiras são demasiadamente mercantilistas. Tratam a literatura como um
produto de mercado e não como um bem cultural, que precisa ser incentivado,
apoiado, desenvolvido e conservado.
FM Eu gosto de teu coração
aberto. Palavras, sangue, pulsação — eis aí uma boa receita, que naturalmente
pode ser quebrada por uma empresa a frio que se apresente como boa e aguda o
suficiente para instigar e alimentar uma época. Se estivéssemos fazendo
sociologia poética, aqui poderíamos tratar de ambientes os mais tresloucados
decorrentes do dadaísmo, do surrealismo etc. Por vezes me parece que te
preocupa a recepção de tua obra, pela forma como destacas o leitor. Qual o
interlocutor sonhado da poesia de Viviane de Santana Paulo?
VSP Logicamente o
leitor é importante. Sou, antes de qualquer coisa, uma assídua leitora, leio
mais do que escrevo. Adoro ler! E o escritor escreve para ser lido. Quero sim
ter leitores como eu, abertos a uma visão diferenciada da realidade e que goste
de refletir. Respeito os leitores porque sou uma, por isso sei que são
diversificados e buscam também novas formas de literatura, e, neste mar de
livros de entretenimento, auto-ajuda, ficção científica, literatura
estrangeira, brasileira, e assim por diante, necessitam de um leme, este leme é
a crítica literária para cada estilo. Um bom livro de entretenimento também
possui as suas qualidades, assim como um bom crime ou ficção científica, diferente
de um Guimarães Rosa ou Clarice Lispector, por exemplo, leituras que exigem
grande introspecção. Na Alemanha todo tipo de literatura é valorizado, dentro
de sua categoria, e há leitores para todos eles. Agora, quanto à recepção da
minha obra, é um mistério. Não faço a mínima ideia porque ainda não há
recepção. Enfrento dificuldades de publicação, não sou jornalista e não
trabalho como tradutora para nenhuma editora, e como já mencionei, as editoras
brasileiras só querem saber deles. Assim é realmente difícil escritores
inéditos desenvolverem algo diferente, a literatura brasileira fica viciada em
uma determinada visão de mundo e mantém a pouca variação na temática.
FM Tudo o que estamos falando até aqui se relaciona à criação poética. Porém
tens uma experiência na narrativa. Quais as equivalências possíveis?
VSP Pode-se escrever um romance completamente lírico, como fez Guimarães Rosa em Grandes
Sertões : Veredas.
Pode-se escrever um poema narrativo. A diferença é no prolongamento do enredo,
no desenvolvimento do cenário e dos personagens que em um romance são
imprescindíveis. Escrever um poema é mais rápido, não que seja mais fácil. Há
poemas que ficam meses, anos engasgados, e só se completam muito tempo depois.
Gottfried Benn escreveu um poema iniciado em uma época e terminado trinta anos
depois. Mas com certeza ele não passou trinta anos só pensando neste poema. O
poema ficou ali na gaveta e, de tempo em tempo ele pegava, lia, relia,
reescrevia e guardava. Até que leu, releu, alterou uma palavra, inseriu outra
nova, e pronto, finalmente sentiu que o poema estava terminado. Para escrever
um romance é preciso pensar no enredo intensa e ininterruptamente, durante
muitos meses, às vezes anos. A narrativa é mais extensa e os recursos de
linguagem são outros. Os diferentes gêneros são um desafio para mim. E é
interessante chamar a atenção para as muitas classificações e gente que adora
rotular os livros. Na Alemanha fala-se em romance somente depois de 150
páginas. No Brasil um livro com noventa páginas já é um romance. Um romance na
Alemanha não é a mesma coisa que uma novela. No Brasil não existe mais este
gênero literário, foi extinto pelas novelas televisivas. Uma novela na Alemanha
é um livro de 150 a
200 páginas, com uma narrativa de menor extensão, alguns personagens e um
enredo em torno de um único evento o qual alcança um ponto de transição (o Wendepunkt) e depois segue para um
desfecho lógico e surpreendente. Um romance possui narrativa e enredo densos e
longos, faz uso de mais recursos narrativos e maior quantidade de páginas
escritas. Considero meio problemáticas estas classificações, corre-se o risco
de chamar de conto um romance experimental. Mas entendo que são necessárias,
sobretudo para se mesclar umas com as outras ou criar outro gênero e deixar os
acadêmicos discutindo para classificá-lo.
FM Tua condição de brasileira residente na Alemanha há praticamente 20 anos,
estudos de literatura comparada e filologia germânica, tudo isto cria uma
espécie curiosa de duplo exílio, até mesmo no sentido mais pragmático de
Interação cultural entre dois mundos: como apresentar a tua visão de cultura
alemã ao Brasil e a brasileira à Alemanha.
VSP Escrevo alguns
artigos sobre autores alemães em revistas brasileiras de literatura e sobre
autores brasileiros em revistas alemãs, e tento abrir um diálogo entre as
literaturas sempre que possível, através de sugestões de leitura, tradução de
poemas alemães (recentemente de Jan Wagner, que recebeu boas críticas), faço
entrevistas com autores alemães, e assim por diante. O mundo está cada vez
menor, a internet abriu novos caminhos e possibilitou uma grande rede de
comunicação entre as pessoas do mundo inteiro. Temos aqui um novo aspecto, uma
nova forma de lidar com a realidade e consequentemente com a literatura. Desta
forma ficou mais fácil criar um intercâmbio intenso entre as culturas.
FM Eu queria muito
saber das pontes invisíveis entre as duas culturas, não entre elas, mas sim no
que ambas te modificam, despertando a atenção para coisas novas. Evidente que a
Internet não significa nada: é um lápis, um spray, um pincel, nada mais. Por
detrás de tudo, sempre o leit motiv,
a razão de ser, a alegria de viver. Há um momento em que a insistência em
Brasil e Alemanha pode ser indigesta, não é isso, queres outra coisa.
VSP A inquietação vem
de dentro de mim. Na Alemanha ou no Brasil ou em outro país, a inquietação
continuaria. É essa inquietação que me faz escrever. Naturalmente há momentos
que penso em voltar para o Brasil, sinto falta da descontração, da
espontaneidade, da alegria dos brasileiros. Mas toda moeda tem os dois lados.
Receio não conseguir me readaptar à bagunça brasileira e ao nepotismo em tudo quanto
é área, à falta de seriedade/maturidade na política das instituições
culturais. Os alemães são complicados, apegados à rotina, e pessimistas,
reparam muito no lado negativo das coisas. Nós brasileiros não fazemos
comentário nenhum quando a pessoa não está com boa aparência, é mal educado, e
quando ela está bem, aí sim, fazemos os comentários positivos. O alemão é o
contrário, para o negativo ele sempre tem um comentário preparado, seja
estacionar o carro em local proibido, estar cansado, ter feito alguma coisa
errada sem querer… lá vem alguém reclamar, alguém que não tem nada a ver com a
coisa. Os alemães costumam apontar muito para os erros dos outros e são
difíceis de aceitar críticas. Entretanto, gosto da Alemanha, de Berlim que é
uma cidade especial, diferente de outras cidades alemãs, com uma história
singular e onde vivem muitos estrangeiros. É uma cidade pequena, comparada a
São Paulo, pode-se fazer tudo de bicicleta aqui, a cidade possui muitas praças
e parques arborizados e muitos museus, bibliotecas universidades, três casas de
óperas, galerias, e casas de literaturas. Muitos escritores alemães vivem em
Berlim, e os autores internacionais visitam a cidade. A Herta Muller já a
encontrei na feira, perto de casa, ela mora aqui na redondeza. Com o Imre Kertész troquei algumas palavras, em uma
leitura dele, no Literarisches Colloquium,
antes de ele ganhar o Nobel. Meu filho frequentava a mesma escola da filha da
escritora Julia Frank. Acho fantásticos estes encontros casuais, com
personalidades imortais e escritores e artistas renomados, coisa difícil de
acontecer em outra cidade.
[2011]
[Entrevista com Viviane de Santana Paulo (Brasil, 1966), publicada em Invenção do Brasil. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013. http://www.amazon.com/Inven%C3%A7%C3%A3o-Brasil-entrevistas-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00FTBMR24]
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