FM Vamos começar da maneira
mais simples e direta: o que traz de si Omar L. de Barros Filho na bagagem de
sua memória? Como te sentes hoje?
OLBF Beirando os 60 anos, me
sinto alguém carregado de vivências e memórias, que esquece um pouco a cada
dia, mas ri e sofre com aquilo que recorda. Trato de suportar a mim mesmo em um
paciente exercício diário de convivência com ‘o outro’. Uma parte dessa carga
passa, e não podia ser diferente, pelo jornalismo. A atividade do repórter,
genialmente descrita por Antonioni, em The Passenger
[Profissão: Repórter], certamente
deixa cicatrizes que o tempo não esconde em qualquer front que você estiver.
Cobrir uma ação de guerrilha, um crime numa rua escura ou uma enchente que se
repete a cada verão tem o mesmo resultado. O repórter é um para-raio que recebe
descargas elétricas o tempo todo e avança no impulso. O olho sempre aberto,
ligado, como os leds que nunca dormem.
O trabalho do editor é diferente. É necessário
refletir para organizar a informação, dar certa coerência às leituras
possíveis, jogar com as contradições, mostrar a diversidade do pensamento,
oferecer alternativas de leitura, concordar e contrariar, jogar xadrez com o
leitor e desafiar sua inteligência. Nenhuma das duas atividades, portanto,
garante um sono tranquilo e angelical para ninguém, o que significa dizer que,
no que se refere a mim, durmo cada vez menos.
Cheguei a imaginar que iria descansar um pouco
mais quando li que um gênio da academia havia decretado a morte da História,
depois da queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria e a instalação da
hegemonia estadunidense. O que hoje se vê, entretanto, é que a História está
bem viva neste planeta atormentado e conectado em pura insônia. Há quase 40
anos, quando comecei meu trabalho, parecia que para entender o mundo bastava
ler algumas linhas de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, e saber se ia chover ou
não. Hoje é necessário ainda conhecer o estado de ânimo das consumidoras do
Brooklin, o preço dos imóveis usados em Londres, os investimentos chineses em
armamento, que há cangurus em excesso na Austrália e que os rios estão secos no
Congo…
FM Este é um já conhecido
pomar de contradições, ou seja, sabemos cada vez mais o que se passa no mundo,
porém não surgem discussões mais aprofundadas sobre as causas e busca eficaz de
como interferir em seus mecanismos perversos. A informação resulta inútil
justamente pelo excesso. Não te parece um grande ardil de nosso tempo? No
mínimo, a sua charada mais sagaz?
OLBF Sim, você está
absolutamente correto. O grande ruído universal facilmente se transforma em
apenas um rumor que se ouve ao longe. É como um tropel de boiada em disparada
campo afora. Mas isso ainda é melhor do que o silêncio das ditaduras e dos
cemitérios, não é mesmo? Penso que marchamos sem apelação para um novo estágio
de civilização, plebiscitária, em que os governos ganharão um novo potencial e
uma nova dimensão política e cívica. Ao mesmo tempo, os espaços de participação
cidadã também serão ampliados, via Internet, como se vê, agora, nos terremotos
revolucionários nos países árabes, assim como na Grécia, Espanha e outros
países. É uma outra sociedade em construção, uma gigantesca ágora eletrônica,
que resulta de milhões de outras, em que a informação circula numa velocidade
impensável na era de Johannes Gutenberg, que também mudou o mundo em seu tempo.
A informação ganha, assim, a efetividade de uma ferramenta promotora de
mudanças no Estado, do qual não podemos perder de vista sua verdadeira
natureza. Claro, a nova democracia está sujeita a todos os riscos de
manipulações, distorções etc. É a negação de uma direção central e o surgimento
de algo anárquico, atomizado, sua força e, contraditoriamente, sua fragilidade,
ao dispensar uma direção central, tal como sonharam os revolucionários Lenin e
Trotsky no Século XX. Você ainda lembra dele? Não me pergunte no que isso vai
resultar. Não saberia responder.
FM Versus buscou originalmente assumir a América Latina, de tal
maneira que “a busca de nossas raízes fosse um programa”. Qual América Latina
encontraram na época? Indago isto por uma razão, a de que no Brasil ainda hoje
desconhecemos essa entidade, talvez até inexistente, chamada América Latina.
OLBF De fato, do ponto de
vista brasileiro, de modo geral, a América Latina segue sendo uma entidade
imputada por um folclorismo crônico, desprezada por seu atraso econômico,
político e cultural, maltratada pelo preconceito que, muitas vezes, revela o
racismo de nossa elite. Isso ocorre apesar de alguns avanços, como os que
seriam possíveis através da criação do Mercosul e de outras instituições
criadas do outro lado dos Andes para aproximar os países e diminuir as
distâncias entre as fronteiras latino-americanas. São esperanças que nem mesmo
as burocracias conseguiram ainda desmanchar. Acredito que vamos avançar, apesar
das dificuldades. Se pensarmos que a União Europeia foi um processo que levou
cerca de 50 anos para ser concretizado, temos tempo para agir localmente no
sentido de buscar essa aproximação necessária, natural, lógica. Para que tal
ocorra, sobretudo será necessário malhar este ferro frio até que a chapa
esquente. A consolidação da democracia no continente e o desenvolvimento das
economias, da educação, da saúde, será o fogo que permitirá a aproximação
dessas culturas, assim como, anteriormente, a luta contra as ditaduras criou um
espaço de resistência continental que, com frequência, fez desaparecer as
diferenças e valorizar os fatores positivos da unidade e solidariedade entre
nós.
O jornal Versus
foi uma resposta neste sentido. Partindo de nossas fragilidades políticas e
organizativas, criamos um sistema quase anárquico de produção de conteúdo que
preencheu um terreno até então abandonado pela grande mídia, que nunca se
preocupou, em profundidade, em estabelecer junto ao público e às instituições
políticas aquilo que para nós era uma espécie de dogma. O Brasil não
conseguiria arrancar nenhuma liberdade digna deste nome se na América Latina o
mesmo não ocorresse. Não era possível imaginar que um país do tamanho do
Brasil, com influência e presença continental, pudesse se desenvolver cercado
por regimes de força, ditatoriais. O inverso também era verdadeiro e segue
sendo.
A primeira edição de Versus, que chegou às bancas em outubro de 1975, em uma São Paulo
ainda convulsionada com a morte do jornalista Wladimir Herzog nas masmorras da
polícia política, revela bem a atmosfera de terror que vivíamos à época, e que
o redator-chefe e criador de Versus,
o jornalista Marcos Faerman tão bem soube sintetizar em inúmeras ocasiões. As
chamadas da primeira página do nº 1 eram reveladoras: “Eu fui condenado à morte”
(Confissões de um repórter argentino,
Tomás Eloy Martínez); “Eu me condenei à morte” (Diário de um escritor peruano, Arguedas); “Nós vivemos na morte” (A vida num hospício mineiro).
FM No prólogo ao livro Versus — Páginas da utopia, há uma
afirmação tua que é um verdadeiro enxame de significados. Conversemos sobre o
teu sentimento em relação a ela. Dizes: “Em algum ponto do caminho, no entanto,
deixamos de ser necessários”.
OLBF Sim, é um sentimento de
perda e de frustração que carrego comigo desde que ficou claro que Versus não teria mais forças para
seguir. Claro, foi resultado de um processo que tento explicar como resultado
da falta de meios e de maturidade na condução do jornal, combinados com
perseguições, prisões, ameaças e repressão. No entanto, entre acertos e erros
acredito que algumas lições foram aprendidas. Deixamos uma herança cultural e
política que tão cedo não será esquecida. A aproximação com a história e a
cultura da América Latina ficou para sempre. A contribuição de Versus ao crescimento e amadurecimento do movimento negro no país é uma
realidade. Assim como nosso trabalho na difusão de um programa socialista para
o Brasil e para o continente. Mas a sociedade evoluiu e passou a exigir novas
soluções e canais alternativos para se informar e educar.
É preciso se adaptar a isso e acompanhar a
revolução da comunicação para não envelhecer precocemente.
Como não podia deixar de ser, Versus se transformava a cada edição
mensal ou bimensal — demoramos muito tempo para “disciplinar” nossa forma de
trabalhar, o que implicava obediência das datas estabelecidas para a
distribuição de cada uma das edições. Essa inconstância provocava prejuízos à
administração, que fazia o possível para equilibrar as finanças sempre
combalidas. Mas digo que faltou, essencialmente, maturidade e experiência à
redação, que se distribuía em várias cidades do Brasil.
Isso ficou claro quando percebemos na escuridão
que havia uma possibilidade real de contribuirmos para a derrubada da ditadura
e para o estabelecimento da democracia. Mas o inimigo foi hábil ao se
metamorfosear e confundir. E, de algum modo, combinando atos de repressão e
abertura, acabou por nos dividir mais de uma vez. É fato que isso criou as
condições para que alguns dos principais colaboradores abandonassem o projeto,
alguns cooptados pela grande imprensa, e que os leitores nos deixassem de lado.
O mesmo fenômeno de ruptura ocorreu em quase todos os jornais da imprensa
alternativa daquele período. Foi um ciclo riquíssimo em vivências que ficou
para trás, mas que seguramente marcou a todos os que dele participaram.
FM ViaPolítica atua como um herdeiro de Versus em era digital em um sentido literal, ou no projeto atual há
um acento distinto do ponto de vista editorial?
OLBF Há muito em comum nos
dois projetos. Tanto que parte importante do núcleo inicial de colaboradores
que impulsionou ViaPolítica na web
antes fez parte da equipe de Versus.
Em maio/junho de 2006, quando ViaPolítica
apareceu na Internet pela primeira vez, eu mantinha apenas contatos esporádicos
com os antigos companheiros de redação de Versus.
Mas, logo que a notícia se espalhou, eles ressurgiram e voluntariamente
passaram a colaborar com a nova publicação. E trouxeram com eles toda aquela
bagagem adquirida nos anos duros do regime militar e durante a redemocratização
do país. São colaboradores valiosos, experientes, lúcidos, que têm dado uma
imensa contribuição à construção da rede VP. Toda essa experiência contribuiu
muito para o aperfeiçoamento da rede que estamos tecendo e que, agora, com as
novas ferramentas, já ultrapassou nossas fronteiras e se desenvolve também no exterior.
É uma rede de uma extensão impensável na época de Versus, quando dependíamos dos carteiros para receber boa parte das
matérias que publicávamos. Agora, são outros meios infinitamente mais velozes e
eficientes de comunicação, intercâmbio, elaboração de conteúdos, análises,
observações, imagens, sons, traduções etc. É outro mundo, muito mais exigente e
crítico, onde já não cabe a dose de ingenuidade que fazia parte do dia a dia de
nossa antiga redação. Assim, construímos em cinco anos de trabalho em ViaPolítica um outro campo de
experiências que dá continuidade a uma iniciativa que ficou para trás e que era
sim necessário recuperar.
FM Fala-me um pouco mais
especificamente desse outro campo.
OLBF ViaPolítica já é
uma rede bastante consistente depois de cinco anos de trabalho. Alargou-se,
estendeu-se por caminhos que seriam impensáveis na época de Versus, sob uma ditadura política.
Vigilância de organismos policiais, ameaças, prisões, greves de fome, torturas,
bombas em bancas de jornal. Estamos, agora, no campo das liberdades onde
enfrentamos as diversas formas de totalitarismo que ainda resistem com armas
que antes não possuíamos, as ágeis redes sociais, por exemplo. Na época da
ditadura, se um imbecil como o deputado Bolsonaro atacasse os homossexuais,
quem iria reagir contra ele? Quanto tempo e recursos seriam gastos para
enfrentá-lo? Hoje ele fala as besteiras que caracterizam o credo de seu bando
político e na hora chovem milhares de flechas na web contra o pensamento obtuso
dele e dos seus. Nada fica sem resposta. Passou o tempo do silêncio, é hora da
algaravia.
FM O mundo da linguagem é o
mundo do significado. Há uma curiosa propensão no Brasil ao esvaziamento de
sentidos na linguagem, na forma como a comunicação foi corrompida em dois
ambientes ou de duas maneiras. De um lado, a política a trata como um artifício
destinado a desnortear. De outro, a arte elimina quaisquer evidências de
realidade em seu corpo atuante. Como recuperar a credibilidade de um discurso
em um país criminosamente esvaziado de sentido como o nosso?
OLBF Em nossa sociedade
midiática, a oposição entre verdade x
mentira é quase tão profunda quanto a contradição entre capital x trabalho, enunciada por Marx e Engels.
Por isso compartilho de sua indignação e inquietude. E poderia justificá-las
citando, por exemplo, as ideias e os textos de Baudrillard, Walter Benjamin,
Adorno e, aqui, de Luiz Rosemberg Filho, um diretor cinematográfico que analisa
obsessivamente em ViaPolítica a
linguagem do poder e suas deformações. Darei, entretanto, um breve testemunho a
partir de minha própria experiência para esclarecer o que penso sobre a
questão.
Quando
era criança aprendi a amar os gibis, que lia diariamente. De tudo o que povoou
minha imaginação infantil e mesmo depois, o que mais presente ficou era um
mundo bizarro que existia numa outra galáxia nas HQs do Superman. Lá era tudo
ao contrário, daí o nome bizarro. Quando amadureci acabei por descobrir que
aquele mundo era o mesmo em que eu vivia, com minha família, com meus amigos e
com todos os outros patrícios. Era o Brasil! Aqui, como nos gibis, é tudo ao
contrário. Nenhuma palavra carrega em seu uso diário o significado que ela de
fato tem no dicionário. Somos mestres na arte da dissimulação e do discurso fake. A corrupção do sentido das
palavras e das imagens aparece em tudo, em qualquer manifestação de políticos,
empresários, dirigentes sindicais, agentes públicos, editorialistas e todo o
resto.
Essa lição eu aprendi mais tarde, nos primeiros
anos da década de 80, quando vivi algum tempo em Bogotá, na Colômbia, onde
conheci um dos grandes dirigentes trotsquistas da América Latina, Nahuel
Moreno. Encontrava-o sempre no escritório da Fração Bolchevique da IV
Internacional. Ele era um argentino exilado, e, desde Bogotá, tratava de coordenar
as ações de sua organização. Certa vez, eu voltava da América Central, mais
precisamente de El Salvador, quando ele me perguntou como andava a revolução no
país. Respondi da forma mais precisa que pude, tentando descrever a situação
confusa e movediça. Depois de ouvir atentamente meu relato, Nahuel Moreno
retrucou com seu castelhano marcante: “Você está equivocado. Na política
tradicional ou mesmo na revolução é sempre o contrário do que é dito. Você
entenderá apenas se fizer a leitura ao contrário.” A conversa girava
basicamente sobre a atitude da guerrilha salvadorenha que ameaçava tomar o
poder no país. Para mim era verdade o que os líderes guerrilheiros apregoavam.
O dirigente trotsquista corrigiu: “Nada disso. Eles querem apenas negociar com
o governo e com os EUA, e não vão tomar o poder pelas armas como afirmam para a
população.” Era o tal mundo bizarro dos gibis outra vez. O tempo mostrou
rapidamente que Moreno tinha razão…
Também o sociólogo americano Howard S. Becker
nascido em Chicago, em 1928, tem muito a ensinar. No livro Truques e segredos, ele afirma: (…) “duvide de tudo que lhe for
dito por qualquer pessoa que detenha poder”. Isso deveria se aplicar
perfeitamente ao jornalismo da forma como é praticado no Brasil e outras
paragens, onde o oficialismo manda e desmanda, e impera a preguiça e a falta de
meios dos repórteres para ouvir outras fontes sem a mesma suposta “credibilidade”
dos que estão no poder.
FM Este é um relato
ensurdecedor, apavorante. É mais grave ainda se agregarmos que este mesmo
comportamento detectado no tocante ao jornalismo se verifica no ambiente
intelectual como um todo, aí incluída a classe artística. No entanto, toda
linguagem caminha na direção do poder, toda linguagem é, por essência, truque.
Como então diferenciar verdade e mentira? Melhor ainda, considerando o
entendimento do que seja verdade, como atuar diante da boa e da má verdade?
OLBF Como qualquer outro
cidadão também sofro para saber o que é verdade e o que é mentira nessa massa
de informação que dia e noite perpassa nossas mentes. Como enfrentar tudo isso?
Não sei. Antes, a fórmula que eu achava correta passava pela ortodoxia da
construção de um partido revolucionário, clandestino, solidificado por muitos
punhos e lutas, que, à vanguarda das massas, golpearia o inimigo como um homem
só. A verdade, então, surgiria, e nós, da imprensa, das letras, da informação,
seríamos seus anjos da guarda. Mas hoje esta receita já não tem mais sentido
nenhum. Você acha que sim? Para responder à sua pergunta é necessário antes
entender e avaliar toda a grandeza e a beleza que estão vivas nos acampamentos
da Espanha, por exemplo, nas barracas amontoadas nas praças. Milhares e
milhares de pessoas, jovens, velhos, crianças, toda a diversidade do mundo,
exigindo nada mais do que a verdade, indignados, gritando não à mentira.
FM Situemos um caso
alarmante no Brasil, a forma massiva como grande parte da população brasileira
(e não somente a chamada zona de pobreza, relativa ou absoluta) está sendo
espiritualmente tragada por seitas deploráveis, cultos fraudulentos, o amparo
cínico da “palavra do Senhor” etc. De que forma recuperar uma sociedade quando
esta é fragmentada de tantas maneiras como no caso brasileiro?
OLBF O que você descreve é
correto. O ruído é tanto que até o mais corriqueiro dos dias poderia ser
confundido com o dia do juízo final, o dies
irae: “Quanto terror é futuro, quando o Juiz vier, para julgar a todos irrestritamente !” Quando vivi na
Amazônia, numa fronteira perdida com a Bolívia, uma região onde o Estado
brasileiro é pouco mais do que uma sombra, o que lá se via era uma igreja ao
lado da outra. Só na cidade mais próxima, com poucos milhares de moradores,
havia 60 igrejas evangélicas e uma católica. O certo é que boa parte das
pequenas igrejas protestantes buscam trabalhar junto ao tecido social, perto
dos mais pobres, tratando de não perdê-los do rebanho. Pregam, sim, o temor à
autoridade celestial, ao inferno, ao pecado e prometem o paraíso em troca de
alguns tostões. E, em essência, tratam de manter o status quo de opressão e sofrimento da classe trabalhadora, na
exploração contínua de sua ignorância ou alienação, em sua impotência frente ao
capitalismo.
Por outro lado, a hierarquia católica faz o quê?
Durante séculos reinou sozinha, ajudou a massacrar indígenas e a acorrentar
negros, esmagou suas religiões e saberes, agarrou-se ao poder, alimentou e
confortou as oligarquias e o patrimonialismo no Estado. O que essa velha igreja
quer agora? Seu monopólio foi quebrado, está superado no tempo e no espaço. Ela
não fala mais ao coração das massas como antes, não conversa com aqueles que
sofrem, e treme diante do fundamentalismo dos evangélicos radicais.
A realidade é que são todos falsos profetas.
Vivem às custas da manipulação das massas em uma sociedade quase indefesa, que
ainda não desenvolveu os anticorpos necessários para livrar-se das igrejas
eletrônicas, dos noticiários da Globo, da Record, do oficialismo governamental
e das súcias dos políticos [bem-aventurados herdeiros de redes de rádio e TVs]
em todas as instâncias da esfera pública. Para recuperar nossa sociedade
espoliada e desigual, portanto, só há o remédio da indignação e mais e mais
democracia. Enquanto isso, oremos por nosso frágil Estado laico e sua
fascinação pelos altares capitalistas. Como escreveu um dos seguidores de ViaPolítica no Twitter, citando o
teólogo italiano Christian Albini, “Hoje, parece prevalecer, muitas vezes, uma
religiosidade conformista, ritual, sem alma.”
FM Quais planos tens de
ampliação da atuação via Internet de ViaPolítica,
incluindo áreas não virtuais?
OLBF Nossa abordagem
transversal da política, que escapa das miudezas vulgares da politicagem,
principal alimento de nossa imprensa tradicional, leva ViaPolítica a ampliar o arco de alianças. Para o futuro próximo
está em nossos planos acompanhar mais de perto o fenômeno das revoluções
árabes, algo tão profundo quanto foram a derrocada da União Soviética e as
mobilizações de 68. São momentos históricos de tal grandeza com que a vida
valha a pena, e nos dizem que não basta apenas testemunhar, descrever ou
analisar. Assim que estamos a estudar uma pequena contribuição ao processo que,
no médio prazo, deve se materializar em uma organização voltada ao
estreitamento dos laços com as comunidades árabes que vivem no Brasil e na
América do Sul, e que, talvez, se transforme em uma pequena ponte entre as
nossas culturas.
FM Esquecemos algo?
OLBF Devolvo a pergunta: Seremos condenados ao esquecimento? Ou
estamos aqui para lembrar?
[2010]
[Entrevista com Omar Luiz de Barros Filho (Brasil, 1952), publicada em Invenção do Brasil. São Paulo: Editora
Descaminhos, 2013. http://www.amazon.com/Inven%C3%A7%C3%A3o-Brasil-entrevistas-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00FTBMR24]
Nenhum comentário:
Postar um comentário