FM Quando em 2006,
pensaste em sistematizar uma publicação periódica através da Internet,
juntamente com Leila Andrade, qual era o plano editorial?
FB Diria que, àquela
época, tudo ainda era muito incerto, pois a ideia matriz era a de agregar um
coletivo de expressões em torno da literatura e da arte, mas não tínhamos uma
noção precisa de como as coisas iriam funcionar em termos estruturais. As
incertezas agigantam-se nos primeiros passos de qualquer empreitada dessa
natureza, penso. Arrisco até em dizer que as coisas eram feitas de modo um
tanto artesanal. O intuito inicial era movido pela necessidade de dar espaço a
autores e artistas anônimos. Isso motivou os propósitos, de modo a nos conduzir
ao que somos hoje. No entanto, sabíamos que nosso maior desafio seria o de
construir um espaço no qual a qualidade norteasse as ações. Ao longo do tempo,
conseguimos estabelecer critérios de participação, aspectos que nos auxiliassem
efetivamente a selecionar autores. Isso nem de longe é coisa fácil de ser
feita, pois algumas vezes lidamos com egos exacerbados e pessoas que julgam ter
um domínio acabado sobre as coisas. Talvez aí esteja um dos maiores percalços
do caminho editorial. O passar dos anos mostrou-nos que a aposta valeria a
pena.
FM Qual a razão de seu nome,
Diversos Afins?
FB O nome tem relação
direta com a causa da pluralidade de expressões. Sempre fez parte de nossos
propósitos agregar em cada edição uma variedade de autores que pudessem
refletir o sentimento da diversidade. Por trás disso, está a vontade de
apresentar aos leitores modos diferenciados de experimentar o mundo, seja na
via dos textos ou das imagens. Cada colaborador empreende uma jornada de signos
e isso fascina pela forma como os modos de interpretação se comportam. O
batismo em si até “brinca” um pouco com a coisa dos versos afins, que podem
estar encerrados em todo o tipo de expressão disposta na revista.
FM Como funciona a revista
em termos de circulação? Quais as tuas táticas de difusão?
FB Circulamos
exclusivamente na via eletrônica. Muita gente até nos pergunta se não temos
vontade de nos enveredarmos pelas vias impressas. Respondo que sim, mas de
outra forma: organizando antologias com os autores já publicados. Não sabemos
quando isso irá ocorrer, mas a ideia nos seduz intensamente. Por outro lado, é de
nosso firme propósito continuarmos a publicar as Levas via site mesmo, pois a
Diversos Afins surgiu como um veículo disposto a fazer parte dessa compressão
tempo-espaço proporcionada pela internet. Isso é fascinante e conduz adiante um
dos nossos lemas, que ó o de desengavetar expressões.
Quanto às táticas de difusão, estas se
concentram em muito na divulgação via e-mails, redes sociais e em sites
parceiros. Eis aqui também a tendência de se continuar trilhando um caminho
eletrônico.
FM Já pensaram em desenvolver
um novo projeto gráfico para a revista, criando seções específicas para cada
gênero de matérias publicadas?
FB Sim. Por falar nisso,
está em curso uma reestruturação nesse sentido. Ainda não sabemos quando e de
que modo efetivamente ela se dará, mas já estamos tramando novas perspectivas
gráficas.
FM De que maneira Diversos Afins convive com outros
projetos circulares, no país e no exterior?
FB Diria que da melhor maneira possível, qual
seja na via das parcerias e trocas de ideias. Reforça muito essa noção o fato
de termos a possibilidade de publicar autores que advêm desses lugares. Tal
interação permitiu-nos conhecer novas expressões, além de deixar-nos atentos a
aspectos válidos de atuação. Essa movimentação não só possibilitou a participação
de criadores brasileiros, mas também de alguns outros da América Latina e de
parte da Europa.
FM Acreditas que seja possível (funcional) a criação de um fórum
permanente de debates, entre editores de revistas, através da Internet?
FB Sem dúvida. Acho que isso até seria o ideal, pois ajudaria muito
a repensarmos os modos de atuação. Na verdade, esse tipo de arena de debates
criaria um novo sentido ao exercício necessário da autocrítica. Além de trocas
de experiências, propiciaria também um olhar sobre a ética que permeia as
relações e a produção de conteúdo. Não se trata aqui de criar um marco
regulatório, mas certo compromisso em consolidar caminhos mais consistentes sob
o ponto de vista editorial.
FM Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta aplicada à
cultura?
FB Se formos atentar para uma conduta pautada na qualidade e no
respeito à diversidade de manifestações, diria que a Internet, quando utilizada
nestes termos, é algo fabulosa. A ideia da compressão tempo-espaço, agregando
produções dos mais diferentes recantos do mundo, é o que chama bastante atenção
nisso tudo. Imaginar que podemos ler e perceber instantaneamente criações de
todo o tipo é, sem dúvida, um aspecto deveras significativo. No entanto, há que
se ter cuidado quando relativizamos demais as coisas e não sabemos separar o
joio do trigo. No campo da literatura, por exemplo, muita gente acha que só por
ter espaço disponível e proferir algumas letras já pode ser considerado um
escritor. Ledo engano. Não é qualquer um que pode sair por aí se apregoando um
escritor de verdade. O entendimento disso parece custar bem caro a muita gente.
Da mesma
forma como o caminho eletrônico pode ser algo fascinante, faz-se necessário
repensar seus usos. Culturalmente falando, temos que nos comprometer
incessantemente não apenas com a qualidade dos projetos ali veiculados, mas
principalmente com a capacidade de reflexão que tais manifestações podem e
devem sugerir. Pode até parecer uma visão um tanto politizada, mas o fato é
que, mais do que supomos, somos responsáveis por essa enorme praça democrática
chamada Internet.
FM Como devem proceder aqueles interessados em ter seus textos
publicados em Diversos Afins?
FB No quesito textos literários, temos basicamente dois eixos:
poesia e contos. Tanto para um quanto para outro, solicitamos aos interessados
que nos enviem uma coletânea com textos de suas lavras, além de uma pequena
nota biográfica. A nossa intenção com isso é podermos adentrar um pouco mais no
universo criativo dos autores e, desse modo, percebermos de que maneira eles se
encaixam em nossa proposta. Os interessados
podem fazer contato através dos e-mails diversosafins@gmail.com
ou revistadiversosafins@gmail.com.
É sempre motivo de muita alegria acolher o interesse
dos criadores em colaborar conosco.
FM No momento está
circulando a Leva de nº 60, ou seja,
60 edições da revista, o que é um marco a ser considerado em um país que sofre
certa síndrome da novidade permanente, com os prejuízos daí decorrentes.
Arriscas um balanço possível, inclusive no que diz respeito a influência da Diversos Afins no ambiente virtual?
FB Foi um verdadeiro
desafio chegarmos firmes ao tempo presente. Diria que realizar as coisas com
uma boa dose de paixão certamente fez a diferença a todo instante. As pessoas
foram se aproximando, percebendo nossos objetivos e, aos poucos, engrossando o
coro de vozes participantes. Isso é algo recompensador porque nos impulsiona
sempre a seguir mais adiante. Com o passar do tempo, foram surgindo parceiros e
potenciais colaboradores nos mais diversos campos. A rede de relações é algo
extensa e até hoje ainda nos surpreendemos com o modo como as coisas acontecem,
sobretudo as manifestações de interesse nas colaborações.
Por todo o dito, confesso que o balanço é o
melhor possível. O mais importante de tudo é que essa vigorosa rede de relações
nos possibilitou um aprendizado constante, seja na via dos anônimos, seja
através de criadores consagrados que desfilaram seus signos por lá. Essas
pessoas ajudaram de modo substancial, não apenas com suas obras, mas
principalmente com sugestões, críticas e indicações de outros escritores e
artistas. Rememorando um pouco os dizeres do poetinha Vinícius de Moraes, gosto
de pensar que a cada mês promovemos ali a arte do encontro.
Falar da influência da Diversos Afins no meio virtual é tão complexo. Não sei se
conseguiria mensurar o efeito de todas as nossas ações, mas, a julgar pelos
retornos que recebemos, tenho a impressão de que muita gente entendeu nossa
proposta e se alimenta disso para prosseguir seus caminhos pessoais. Olha que
coisa gratificante! Então, aquela visão artesanal do início hoje dá lugar a um
periódico com quadros bem definidos e cuja função maior é dar vazão à roda viva
das expressões em torno da arte e da literatura. O resto só o tempo dirá.
FM Esquecemos algo?
FB Talvez de dizer que o
tempo permanece como sendo o maior desafio de qualquer projeto dessa monta. Por
mais que aleguemos a mera falta dele como justificativa para a paralisação das
ações, é possível driblar os empecilhos e consolidar realizações que julgamos
necessárias. Por que dizer isso? Porque fazer é algo imperativo, ainda mais se
tratando de um bem precioso, que é a cultura.
[2011]
[Entrevista com Fabrício Brandão (Brasil, 1974), publicada em Invenção do Brasil. São Paulo: Editora
Descaminhos, 2013. http://www.amazon.com/Inven%C3%A7%C3%A3o-Brasil-entrevistas-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00FTBMR24]
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