domingo, 10 de agosto de 2014

FABRÍCIO BRANDÃO | Diversos Afins e sua fascinante jornada



FM Quando em 2006, pensaste em sistematizar uma publicação periódica através da Internet, juntamente com Leila Andrade, qual era o plano editorial?

FB Diria que, àquela época, tudo ainda era muito incerto, pois a ideia matriz era a de agregar um coletivo de expressões em torno da literatura e da arte, mas não tínhamos uma noção precisa de como as coisas iriam funcionar em termos estruturais. As incertezas agigantam-se nos primeiros passos de qualquer empreitada dessa natureza, penso. Arrisco até em dizer que as coisas eram feitas de modo um tanto artesanal. O intuito inicial era movido pela necessidade de dar espaço a autores e artistas anônimos. Isso motivou os propósitos, de modo a nos conduzir ao que somos hoje. No entanto, sabíamos que nosso maior desafio seria o de construir um espaço no qual a qualidade norteasse as ações. Ao longo do tempo, conseguimos estabelecer critérios de participação, aspectos que nos auxiliassem efetivamente a selecionar autores. Isso nem de longe é coisa fácil de ser feita, pois algumas vezes lidamos com egos exacerbados e pessoas que julgam ter um domínio acabado sobre as coisas. Talvez aí esteja um dos maiores percalços do caminho editorial. O passar dos anos mostrou-nos que a aposta valeria a pena.

FM Qual a razão de seu nome, Diversos Afins?

FB O nome tem relação direta com a causa da pluralidade de expressões. Sempre fez parte de nossos propósitos agregar em cada edição uma variedade de autores que pudessem refletir o sentimento da diversidade. Por trás disso, está a vontade de apresentar aos leitores modos diferenciados de experimentar o mundo, seja na via dos textos ou das imagens. Cada colaborador empreende uma jornada de signos e isso fascina pela forma como os modos de interpretação se comportam. O batismo em si até “brinca” um pouco com a coisa dos versos afins, que podem estar encerrados em todo o tipo de expressão disposta na revista.

FM Como funciona a revista em termos de circulação? Quais as tuas táticas de difusão?

FB Circulamos exclusivamente na via eletrônica. Muita gente até nos pergunta se não temos vontade de nos enveredarmos pelas vias impressas. Respondo que sim, mas de outra forma: organizando antologias com os autores já publicados. Não sabemos quando isso irá ocorrer, mas a ideia nos seduz intensamente. Por outro lado, é de nosso firme propósito continuarmos a publicar as Levas via site mesmo, pois a Diversos Afins surgiu como um veículo disposto a fazer parte dessa compressão tempo-espaço proporcionada pela internet. Isso é fascinante e conduz adiante um dos nossos lemas, que ó o de desengavetar expressões.
Quanto às táticas de difusão, estas se concentram em muito na divulgação via e-mails, redes sociais e em sites parceiros. Eis aqui também a tendência de se continuar trilhando um caminho eletrônico.

FM Já pensaram em desenvolver um novo projeto gráfico para a revista, criando seções específicas para cada gênero de matérias publicadas?

FB Sim. Por falar nisso, está em curso uma reestruturação nesse sentido. Ainda não sabemos quando e de que modo efetivamente ela se dará, mas já estamos tramando novas perspectivas gráficas.

FM De que maneira Diversos Afins convive com outros projetos circulares, no país e no exterior?

FB Diria que da melhor maneira possível, qual seja na via das parcerias e trocas de ideias. Reforça muito essa noção o fato de termos a possibilidade de publicar autores que advêm desses lugares. Tal interação permitiu-nos conhecer novas expressões, além de deixar-nos atentos a aspectos válidos de atuação. Essa movimentação não só possibilitou a participação de criadores brasileiros, mas também de alguns outros da América Latina e de parte da Europa.

FM Acreditas que seja possível (funcional) a criação de um fórum permanente de debates, entre editores de revistas, através da Internet?

FB Sem dúvida. Acho que isso até seria o ideal, pois ajudaria muito a repensarmos os modos de atuação. Na verdade, esse tipo de arena de debates criaria um novo sentido ao exercício necessário da autocrítica. Além de trocas de experiências, propiciaria também um olhar sobre a ética que permeia as relações e a produção de conteúdo. Não se trata aqui de criar um marco regulatório, mas certo compromisso em consolidar caminhos mais consistentes sob o ponto de vista editorial.

FM Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta aplicada à cultura?

FB Se formos atentar para uma conduta pautada na qualidade e no respeito à diversidade de manifestações, diria que a Internet, quando utilizada nestes termos, é algo fabulosa. A ideia da compressão tempo-espaço, agregando produções dos mais diferentes recantos do mundo, é o que chama bastante atenção nisso tudo. Imaginar que podemos ler e perceber instantaneamente criações de todo o tipo é, sem dúvida, um aspecto deveras significativo. No entanto, há que se ter cuidado quando relativizamos demais as coisas e não sabemos separar o joio do trigo. No campo da literatura, por exemplo, muita gente acha que só por ter espaço disponível e proferir algumas letras já pode ser considerado um escritor. Ledo engano. Não é qualquer um que pode sair por aí se apregoando um escritor de verdade. O entendimento disso parece custar bem caro a muita gente.
Da mesma forma como o caminho eletrônico pode ser algo fascinante, faz-se necessário repensar seus usos. Culturalmente falando, temos que nos comprometer incessantemente não apenas com a qualidade dos projetos ali veiculados, mas principalmente com a capacidade de reflexão que tais manifestações podem e devem sugerir. Pode até parecer uma visão um tanto politizada, mas o fato é que, mais do que supomos, somos responsáveis por essa enorme praça democrática chamada Internet.

FM Como devem proceder aqueles interessados em ter seus textos publicados em Diversos Afins?

FB No quesito textos literários, temos basicamente dois eixos: poesia e contos. Tanto para um quanto para outro, solicitamos aos interessados que nos enviem uma coletânea com textos de suas lavras, além de uma pequena nota biográfica. A nossa intenção com isso é podermos adentrar um pouco mais no universo criativo dos autores e, desse modo, percebermos de que maneira eles se encaixam em nossa proposta. Os interessados podem fazer contato através dos e-mails diversosafins@gmail.com ou revistadiversosafins@gmail.com. É sempre motivo de muita alegria acolher o interesse dos criadores em colaborar conosco.

FM No momento está circulando a Leva de nº 60, ou seja, 60 edições da revista, o que é um marco a ser considerado em um país que sofre certa síndrome da novidade permanente, com os prejuízos daí decorrentes. Arriscas um balanço possível, inclusive no que diz respeito a influência da Diversos Afins no ambiente virtual?

FB Foi um verdadeiro desafio chegarmos firmes ao tempo presente. Diria que realizar as coisas com uma boa dose de paixão certamente fez a diferença a todo instante. As pessoas foram se aproximando, percebendo nossos objetivos e, aos poucos, engrossando o coro de vozes participantes. Isso é algo recompensador porque nos impulsiona sempre a seguir mais adiante. Com o passar do tempo, foram surgindo parceiros e potenciais colaboradores nos mais diversos campos. A rede de relações é algo extensa e até hoje ainda nos surpreendemos com o modo como as coisas acontecem, sobretudo as manifestações de interesse nas colaborações.
Por todo o dito, confesso que o balanço é o melhor possível. O mais importante de tudo é que essa vigorosa rede de relações nos possibilitou um aprendizado constante, seja na via dos anônimos, seja através de criadores consagrados que desfilaram seus signos por lá. Essas pessoas ajudaram de modo substancial, não apenas com suas obras, mas principalmente com sugestões, críticas e indicações de outros escritores e artistas. Rememorando um pouco os dizeres do poetinha Vinícius de Moraes, gosto de pensar que a cada mês promovemos ali a arte do encontro.
Falar da influência da Diversos Afins no meio virtual é tão complexo. Não sei se conseguiria mensurar o efeito de todas as nossas ações, mas, a julgar pelos retornos que recebemos, tenho a impressão de que muita gente entendeu nossa proposta e se alimenta disso para prosseguir seus caminhos pessoais. Olha que coisa gratificante! Então, aquela visão artesanal do início hoje dá lugar a um periódico com quadros bem definidos e cuja função maior é dar vazão à roda viva das expressões em torno da arte e da literatura. O resto só o tempo dirá.

FM Esquecemos algo?

FB Talvez de dizer que o tempo permanece como sendo o maior desafio de qualquer projeto dessa monta. Por mais que aleguemos a mera falta dele como justificativa para a paralisação das ações, é possível driblar os empecilhos e consolidar realizações que julgamos necessárias. Por que dizer isso? Porque fazer é algo imperativo, ainda mais se tratando de um bem precioso, que é a cultura.

[2011]

 [Entrevista com Fabrício Brandão (Brasil, 1974), publicada em Invenção do Brasil. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013. http://www.amazon.com/Inven%C3%A7%C3%A3o-Brasil-entrevistas-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00FTBMR24]

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