FM Tua formação, excetuando a extensa parcela de autodidatismo que a
caracteriza, inclui aulas na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), em
Fortaleza (anos 40), e no Art Students League, em Nova York (anos 60). Os
dois cursos distam 20 anos entre si. Como exatamente se inicia o artista Hélio
Rola e qual importância teriam esses estudos na definição de uma estética?
HR Após refletir um pouco sobre a questão do
autoditadismo, concluí que o autodidatismo em estado puro não existe. Aprender
qualquer coisa é um ato social, penso. Senão vejamos: nasci em Fortaleza em
1937 e me iniciei nas artes plásticas criança ainda quando riscava, desenhava
nas calçadas da vizinhança com outras crianças. Também sofri de influência de
D. Eneida, mãe de amigos meus, que desenhava, com
perfeição ,
artistas de cinema e caras bonitas encontradas em revistas e jornais. Aquilo me
fascinava e logo estava eu às voltas com o hiper-realismo . Fazia arte pública, grafites,
e logo desenhos a lápis, seguidos de desenhos a tinta nanquim, guache etc.
Passei então a fazer guaches combinando com tinta nanquim de cenas de meu
cotidiano. Lembro-me que uma dessas tentativas era na cena habitual de nossa
orla, nos fins de semana, debaixo de um grande pé de fixus-benjamin, no jogo de
baralho que os adultos da orla organizavam. Esses desenhos despertavam
admiração e cheguei mesmo a ganhar uns trocados fazendo retratos a lápis que
melhoraram quando fui levado a visitar e conhecer Jean-Pierre Chabloz. Fiquei
encantado com os desenhos de Chabloz. Meu pai era garçon de um bar-restaurante
no centro da cidade, o Majestic, que também tinha cinema. Para lá iam todos — políticos,
advogados, médicos etc., e também artistas. Meu pai, Antonio Rola, era amigo do
poeta Sidney Neto, do cronista Caio Cid, do artista R. Kampos, dentre outros.
Acho que de tanto propalar que tinha um filho pródigo , que desenhava e pintava,
alguém lhe disse que me levasse para conversar com algum artista. Só me lembro
que foi o Antonio Bandeira — no Salão de Abril, na antiga Assembleia, no centro
da cidade — quem viu meus desenhos e me aconselhou a frequentar a SCAP, e assim
se deu. Teve até nota em jornal dizendo que o filho do garçon Antonio Rola era
um artista etc. Depois da SCAP, continuei estudando, conseguindo uma bolsa de
estudos de um deputado estadual por Russas (Ceará), Manuel Matoso, e fiz o
ginasial e o científico no Colégio São João, um colégio de elite. Daí passei no
vestibular em primeiro lugar e me formei em medicina, seis anos depois, em
1961. Entre 62 e 64, fiz pós-graduação na USP (São Paulo), e defendi tese em
66, obtendo o título de Dr. em Medicina. Voltei então para Fortaleza e me tornei
professor de bioquímica na Faculdade de Medicina da UFC. Em 1967, fui para Nova
York, fazer pós-doutorado, como assistente de pesquisa, no Instituto de Saúde
Pública de Nova York, onde fiquei até 1970. Em meio aos afazeres científicos,
um dia recebi visita de um casal que queria me conhecer por ser brasileiro,
pois pretendia saber como localizar literatura sobre bandoleiros do Nordeste,
especialmente Lampião. Ele, Joe Tobin, se apresentou como pintor e ela,
Margareth, como escritora. Através de um tio que morava em Russas, consegui uns
três livros que me foram enviados pouco tempo depois. Eles ficaram extremamente
gratos, daí nascendo uma feliz amizade entre nós. Eu estava em Nova York com a família,
minha esposa Efi e os filhos, André (4 anos) e Sílvia (1 ano). Por conta das
conversas sobre arte, e não somente sobre ciências, retomei a emoção de minha
infância e voltei às artes plásticas. O Joe Tobin me deu orientação durante um
certo tempo, em seu ateliê particular na rua 14. Um velho prédio famoso por
abrigar artistas ao longo do tempo. Posteriormente ele me aconselhou a procurar
a pintora Agnes Hert, que era instrutora de pintura na Art Students League, e
que também tinha ateliê no mesmo prédio. Tratei então de me matricular ali. Estudava
aos sábados, a tarde inteira. Passei a frequentar museus e galerias, muitas
vezes acompanhado de minha instrutora, uma excelente pessoa, com
aproximadamente uns 50 anos. Ao final de minha estadia em Nova York fiz uma
exposição em nosso apartamento. Tiramos todos os móveis do lugar e os trancamos
em um quarto. De repente, havia ali uma galeria funcionando. Algumas coisas
foram vendidas. Ainda em
Nova York , fui influenciado por um amigo brasileiro que me
iniciou em fotografia, que foi extremamente oportuno e importante para mim, em
meu fazer artístico.
FM Essa condição de autodidata torna-se um obstáculo quando se pretende um
desdobramento da criação artística, com o estabelecimento de cursos, por
exemplo. Claro que me refiro a um plano institucional. O gênio brasileiro é
pouco afeito à escola, já o sabemos. Inversamente, o douto acadêmico padece de
bloqueio de percepção. Como vês a relação entre essas duas instâncias em se
tratando do universo das artes plásticas no Ceará?
HR Fica claro que meu audodidatismo se deveu ao fato
de ter feito uma carreira científica e ter vivido dela. Não há livre arbítrio.
Eu tinha uma família para cuidar e não enveredei pelas artes tendo em mente
deixar de ser cientista. Minha vida se ampliou. É claro que daí advém sofrimento
e injustiças. Os cientistas, quando querem me desvalorizar, me chamam de
artistas. E os artistas, por sua vez, me chamam de cientista. Fica claro que eu
tenho o desfrute de dois espaços de realização pessoal. Não somos seres
multidimensionais? Em resumo, fui aprendendo como podia. Veja só: em Nova York fiz minhas
primeiras tentativas na xilogravura. Foi pouca coisa, mas deu para sentir, e
sobretudo me deixar influenciar pela xilogravura dos expressionistas alemães…
nos livros e museus. Então o que estava dormente, reservado, veio à tona, em
1994, tendo em conta influência que sofri do Eduardo Eloy, bem como do clima da
oficina de gravura que ele animava no MAUC — Museu de Arte da Universidade
Federal do Ceaá. Aqui em Fortaleza vejo desenvolvimento de uma iniciação
autodidata (mas nunca isoladamente) em um espaço de convivência centrado
naquele fazer. A gravura é uma atividade artística especialmente coletiva.
Em relação à sua pergunta, salvo algumas exceções
louváveis, a comunidade artística em atividade aqui em Fortaleza é composta
primordialmente por artistas autodidatas, mas já começam a aparecer os artistas
escolarizados, com diploma. Depois disso, por conta da competição, teremos sem
dúvida a guerra dos diplomados contra os autodidatas e detentores de notório
saber. Ainda mais agora, com a proliferação de escolas e cursos de artes, a ideia
de profissional vai ganhar o mundo e as exclusões elitísticas/sindicais virão,
sem a menor dúvida. Esperemos.
FM Em 1987 participas da criação do Grupo Aranha, cuja proposta era uma
mescla de arte coletiva e mural. Gostaria que me falasses um pouco da formação
do grupo e de suas interferências na paisagem urbana de Fortaleza. Que destino
encontraram os painéis de pintura mural coletivos pintados naquele momento? Onde
eles estão atualmente?
HR Eu e minha família começamos a pintar muros na
Praia de Iracema, bairro onde morávamos, para acabar com o lixão que existia na
esquina da rua Potiguares com Tremembés. Muitos amigos participaram das
pinturas que aconteciam nos finais de semana, inclusive o Sérgio Pinheiro. Anos
depois, em 1987, quando de nosso retorno de Paris, Sérgio e eu, é que ele teve
a ideia de organizar um grupo de artistas para pintar muros, inicialmente
apenas no mesmo bairro. Daí surgiu o Grupo Aranha, que era formado por mim,
Sérgio Pinheiro, Eduardo Eloy, Kazume e Alano de Freitas, dentre outros. O
grupo não era fechado e nem sempre tinha a mesma composição nas performances. O
ateliê, depósito de tintas e material de pintura, era na minha casa. É claro que
conciliar essa diversidade de artistas não foi tão simples. Primeiro começamos
pintando cada um a sua coisa. Dividíamos o muro em quatro partes iguais
(democracia?) e cada um pintava a sua. O resultado, apesar do lado a lado, era
um painel de individualidades. Depois evoluímos, passando a pintar todos o
projeto de alguém. Pintamos o muro de uma mercearia seguindo um projeto de
Kazume. Lembro-me que o Eduardo Eloy estava no Uruguai e não participou, mas
teve seu retrato incluído na pintura. Bom, a evolução veio por conta dele
mesmo, Eloy, que defendia uma pintura solta/ação, que envolvesse a todos. Como
nesses termos eu já me entendia com ele — havíamos pintado a quatro mãos em
outra oportunidade —, fiquei entusiasmado. O tipo de pintura daí surgida, revelava
uma diluição de autoria e fazia com que afluísse um autor coletivo. Havia
resistência por parte dos demais, que temiam — segundo penso — que aquela
maneira de pintar viria a afetar sua própria arte. Os murais na Praia de
Iracema deram o que falar. Como fazíamos carga contra a poluição sonora e a
ocupação indevida dos espaços urbanos — tendo isto coincidido com o movimento
SOS Iracema —, passamos a ser notícia nos jornais locais, enquanto sofríamos as
retaliações do mercantilismo corrosivo (travestido de turismo) que ali se
implantava. Uma dessas pinturas, em um dos muros do bairro, em frente ao atual
bar Bicho Papão, foi desfigurada, na calada da noite, pelo proprietário de
outro bar, que se achou injustiçado e agredido pelo mural. Como você vê, a pintura,
as artes plásticas, pela primeira vez aqui entre nós se tornava uma prática
artística explicitamente revolucionária (?), que denunciava com arte agressões
sofridas pelo bairro.
FM Em 1996 te encontras ligado uma vez mais a uma atividade coletiva, o grupo
Tauape, cuja exposição Tauape Xilogravuras percorreu cidades como Fortaleza,
Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Berlim. Todas as críticas acerca
dessa exposição referem-se ao essencial resgate empreendido por vocês no
tocante à tradição da xilogravura. O próprio perfil estético dos seis artistas,
a distinção existente entre eles, já assinala uma condição nova e consistente
na utilização de uma técnica. Que mudanças observas no tratamento da
xilogravura desde aquele momento até os dias de hoje?
HR Acho que no momento isto não é mais do que uma
observação feita por poucos. O que se constata é uma verdadeira inflação (no
bom sentido) de artistas, iniciantes ou não, que se dedicam à xilogravura em Fortaleza. As
diversas manifestações mostram que a prática da xilogravura foi resgatada e
perdeu as amarras com a ideia de uma arte-cabra-da-peste, e com a subordinação
santeira habitual e ganhou o mundo, do museu Portland (EUA) até os confins da
Cracóvia…
FM Em 1999 participas de uma exposição sobre arte construtiva. O conjunto
de tua obra (pintura, muralismo, gravura, escultura, arte postal), no entanto,
não possui um único componente que a aproxime do construtivismo. De alguma
maneira, isto me recorda a definição de estilo dada por René Crevel: “segredo de
costureira, arte de arranjar os restos”. Seria movido por uma concordância com
Crevel que aceitas participar de uma exposição em torno do construtivismo?
HR Meu envolvimento com a arte construtiva veio por
influência direta do Zenon Barreto. Depois que voltei de Nova York, em 1970,
quase que diariamente visitava o Zenon e daí, de conversa em conversa,
sobretudo vendo o que ele fazia, tudo isso aliado às influência s de Paul Klee
e Volpi, saí de uma pintura de conotação expressionista para um jogo de cores,
geométrico, de repetição de um módulo criando um equilíbrio entre cheios e
vazios. O módulo de repetição era uma casinha de porta e janela. Em 1975,
retornei a Nova York onde passei dois meses de férias e pude apreciar e curtir
de fato trabalhos dos americanos Mark Rothko, Frank Stella, Barnet Newman e
outros. Ampliei minha sensibilidade, minimalismo e expressionismo abstrato ou
figuratico etc. Em relação à minha participação recente em uma mostra do
MAUC/CE, ao lado de artistas construtivistas da Europa, em face do que expus
acima não tem nada de estapafúrdio, pois me foi possível produzir uma série de
trabalhos que geraram alguns interesses. Posso voltar ao tema e àquele fazer a
qualquer momento. Já em relação ao que disse Crevel, é costura mesmo, pois quem
se rende à uniformidade, ao fio
condutor , por
conveniência de mercado, sempre perde alguma coisa.
FM No catálogo da exposição Tauape Xilogravuras na Alemanha, em texto
assinado por Heinrick Stahr, se faz referência a uma relação entre caos urbano
e imagens caleidoscópicas no tocante às tuas xilogravuras ali apresentadas.
Idêntica leitura se poderia fazer de série de guaches apresentadas em
individual em Fortaleza (2001). Até que ponto o que é denúncia se confunde com
saudosismo em tua leitura das sociedades contemporâneas?
HR Você bem sabe que a maneira de fazer faz a arte,
faz a vida. Os guaches e as xilogravuras daquela época se encontram na
sobrecarga de imagens. Só que o humor das xilos é agressivo e inquietante,
enquanto que o dos guaches, por conta das cores, é feliz e brincalhão. Perdão,
porque sei que tudo é dito por alguém ao outro alguém que pode ser ele mesmo.
No caso, eu mesmo. Depois de sua pergunta refleti e arrisco a dizer que
saudosismo e denúncia são a mesma coisa.
FM De volta ao lamaçal dos conceitos: por mais que se fale em
expressionismo figurativo para situar tua amplitude estética, penso que
realizas uma arte afeita à intranquilidade, mágica ou fantástica, no sentido de
uma inquietude permanente. Gérard Legrand observou a fusão entre consciente e
inconsciente levada a termo por Max Ernst. Talvez pudesses falar um pouco de
tuas identificações com outros artistas. Bem sei que trabalhas movido por uma
volúpia, que te deixas perseguir incansavelmente por uma ideia, uma suspeita,
um estalo. De onde vem isso, que afinidades encontras com teus pares e o que
pretendes?
HR Aprecio muitos e muitos artistas. Sofrer
influências não tem um fundamento racional. Tudo não passa de um encaixe
emocional. Eu, como você sabe, e por conta de não viver da arte — apesar de
viver fazendo-a —, é que me dou a liberdade de tentar coisas em várias
direções. Em Paris, no Centro Cultural de Val-Fleury, em 1981, fiz uma
exposição múltipla de pinturas, desenhos, objetos, fotomontagens etc.,
intitulada Artesanato
do cotidiano .
Entretanto, desde o reinício em
Nova York e depois do natural entusiasmo por Van Gogh,
Matisse, Picasso etc., o que me chamou atenção mesmo foram os expressionistas
alemães. Mas nunca me contive diante de uma pintura do inglês Francis Bacon.
Para uns pode parecer incompreensível o fato de me tocar muito a pintura dos
estadunidenses Frank Stella, Kenneth Noland, Barnet Newman etc. É claro que
morando em Nova York
tive a chance de ver bastante coisa. O problema, na definição do artista, são as interdições
advindas do mercado e da crítica. Não fica bem para um artista fazer uma coisa
hoje e outra amanhã, segundo dizem. Por que não? Meus parabéns para os artistas
especialistas, que vão a fundo em suas buscas.
Bem, em relação a meus pares e afinidades. Antes da
influência do Zenon Barreto, tive as influências de Nova York. Picasso,
Matisse, Paul Klee etc. O Zenon me fez experimentar na arte construtiva. Também
fiz uma boa parceria com o Sérgio Pinheiro em Paris, entre 1979 e 1980.
Enquanto ele desenvolvia uma linha abstrata,a la Mondrian,
eu me dediquei a tirar figuras da caixa, algo na linha de Pandora, tirar da
caixa o que ela pudesse oferecer. Para mim, o resultado foi interessante e as
esculturas de hoje são fruto de um trabalho — a lógica da caixa que começou em
Paris nos anos 80. Já os guaches vêm das influências que recebi do Eduardo Eloy
e da pintura do Grupo Aranha em sua fase de pintura ação. Tanto admiro, como já
disse, uma pintura como a do Barnet Newman como a de um Oskar Kokoshka. Se gosto,
me identifico emocionalmente com tal e tal maneira de fazer arte, por que não
fazê-la? Em resumo, e claro, uma caricatura, acho que o artista para curtir sua
arte deveria era arranjar um emprego, para poder fazer sua arte como quisesse e
não esconder suas pesquisas díspares dos amigos e colecionadores.
FM Humberto Maturana nos fala de “uma cultura alienada no mercantilismo”,
síntese que abrange competitividade, inveja, falsidade ideológica, desprezo
pelos valores comuns. A normatização do lucro — e seus derivativos de massa
(casa lotada, prêmios, capas de revista etc.) — ilude facilmente uma
consciência artística em estado embrionário, como no caso brasileiro. O mercado
de arte passa a ser visto como contraventor e o artista como vítima. Recordo o
sentido de religare dado à criação artística em si. Até que ponto a arte
nos separa, tendo se tornado desagregadora?
HR A arte nos une na procura e no encontro do novo em
todas as dimensões de nosso viver. Mas o pano de fundo, cultura (patriarcal) da
competição, nos desagrega e nos rouba o sentido do humano que é a
solidariedade. Não há solidariedade no mercado. A arte, ou o que quer que assim
seja chamado, não é uma entidade com existência fora do nosso fazer humano. A
arte surge quebrando consensos, mas acaba por se tornar consenso (é quando ela
morre para renascer quebrando o próprio consenso antes estabelecido). Você vai
dizer que na ciência e em qualquer outro afazer humana é a mesma coisa. É
mesmo!
FM Tua opção por uma arte postal possui uma distinção essencial em relação
a uma maioria absoluta de recorrência ao meio: o intrínseco valor artístico. O
discurso inócuo e sobretudo a pirotecnia formal desgastaram um promissor
veículo de ideias. Hoje resulta fastidioso deter-se em veleidades como poema
visual, arte postal e corruptelas similares. Observo tudo isto pensando na
equívoca idade das formas. Perdemos o sentido do diálogo? Há uma lei de mercado
que estabelece relação promíscua entre forma e conteúdo? Por que tanta sub-arte
bate à nossa porta?
HR É uma pena que a força da arte postal tenha
arrefecido ao longo do tempo. Não é mais fashion . Mas, para mim, atende às
minhas emoções. Faço um desenho, escrevo algumas coisas, ou cometo uma poesia,
e envio para várias pessoas. Assim amplio meu raio de ação. Não tenho eMail,
mas o cartão postal vai longe. Por exemplo: faz tempo que eu envio o Rol@net,
que é como chamo minha arte postal, para muita gente, inclusive críticos de
arte como Jacob Klintowitz, Paulo Herkenhoff, Olívio Tavares, Lisbeth Rebolo…
Concordo, perdemos o sentido do diálogo e o artista atual, meus pares, não
parecem muito preocupados com esta questão. Acho que o que você chama de
relações promíscuas entre forma e conteúdo é o resultado de se ver e ter a arte
tão-somente como uma mercadoria. A arte é mais do que isso. E vê-la tão-somente
assim sem dúvida a empobrece. Temos vários casos aqui mesmo em Fortaleza, ou
seja, não de uma arte bruta, mas de uma arte embrutecida, a arte entre aspas. É
a arte boa-noite-cinderela, ou seja, a arte, como é feita hoje, claro que
embrutece.
FM Qual a cidade ideal para o Hélio Rola? Todas as obsessões de tua obra
estão vinculadas a um compartilhar situações, ou seja, ninguém mora sozinho em
tua visão de mundo. Com tanta maquiagem borrada, haverá uma possibilidade do
artista recuperar sua condição de indicativo de algo?
HR Minha cidade? Uma cidade para mim? Aquela na qual
artistas fossem todos e não se tivesse o abuso social nem a degradação
ecológica. Basta de campanhas humanitárias, vamos viver a igualdade e a legitimidade
do outro ser. O único indicativo de algo, segundo penso.
[2001]
[Entrevista com Hélio Rôla (Brasil, 1936), publicada em Invenção
do Brasil. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013. http://www.amazon.com/Inven%C3%A7%C3%A3o-Brasil-entrevistas-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00FTBMR24]
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